É isso mesmo que você leu: agora existe um marco legal que regula a criação, produção e comercialização de games ou jogos eletrônicos (deveria ser jogos digitais porque até pinball é jogo e é eletrônico). Não cumpriu a letra da lei, teje preso.
Não pera, não tem nada nesta lei que fale em prender e arrebentar quem não for rigoroso no cumprimento dela mas, cá entre nós – e que nenhum supremo nos ouça -, quem é que tá ligando muito pra lei na hora de prender e arrebentar, né não?
Fazendo um balanço geral e mantendo o otimismo exagerado de alguns à distância, ela até que é boa. Olha só que destaque maravilhoso, logo no comecinho:
Art 3º São livres a fabricação, a impressão, a importação, a comercialização, o desenvolvimento e o uso comercial dos jogos eletrônicos…
Ou seja, a gente pode fazer joguinho sem medo de ir parar na cadeia só por fazê-los. Não que isso mude alguma coisa em nossas vidas pois em 40 anos de jogos BR nunca fez falta esse tipo de lei. Mas entendo que seja muito bacana estar escrito num papel oficial que somos todos livres para fazê-los. Evita que algum espertinho supremo proíba de oficio que a gente se expresse, fazendo jogos. Liberdade de fazer game dá no mesmo que liberdade de expressão, afinal jogo é cultura. Pelo menos é o que diz o artigo 6º, Princípios e diretrizes desta Lei:
I- reconhecimento inovador em jogos eletrônicos como vetor de desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural.
E no artigo 12º O desenvolvimento de jogos eletrônicos é considerado segmento cultural para fins da lei…
Em 2013, a então ministra da cultura Marta Suplicy disse pra quem quisesse ouvir que “game não é cultura”. Mais de 10 anos depois, já podemos dizer pra ela: perdeu mané.
Outro destaque que deve ser sempre levado em conta é o artigo 5º que define o que é jogo eletrônico:
I- A obra audiovisual interativa desenvolvida como programa de computador, conforme definido na Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, cujas imagens são alteradas em tempo real a partir de ações e interações do(s) jogador(res) com a interface.
Resumindo: game não é audiovisual no sentido de filme, série ou produção televisiva e se algum espertinho de plantão tentar novamente aplicar uma Condecine aos desenvolvedores e empresas de jogos, vai tomar na cara também um perdeu mané. Aliás, senti muito a falta de um artigo dizendo algo parecido com: fica expressamente proibida a criação de imposto, taxa, contribuição ou seja lá o que for, sobre os jogos, além daquelas já embutidas nesta lei. Só pra garantir.
E sim gente, ao definir os profissionais e empresas que atuam em vários segmentos dos jogos como micro empresa ou micro empreendedor individual, eles automaticamente passam a pagar imposto (façam ou não, comercializem ou não seus jogos).
Além disso, no artigo 13º, que trata das promessas de apoio e incentivo, à lá “dou a maior força”, diz o seguinte:
§ 3º Aos profissionais referidos no § 1º do artigo 7º não será exigida qualificação especial ou licença do Estado para o exercício da profissão.
Penso que tem um lado bom essa não interferência do Estado, como tem em outras profissões, no sentido de que dá pra dar mais um “perdeu mané” para aquelas pessoas que tem orgasmos múltiplos com a formação de conselhos, sindicados, associações, coletivos, comunidades e por ai afora. É certo que a lei não os proíbe, mas também não obriga ninguém a fazer parte deles.
Ainda que essa liberdade possa soar como “hoje acordei me sentindo um game designer” e basta isso para a pessoa ser um, o peso da bigorna da realidade nos mostra que se você for um bom game designer, não importa se fez ou não trocentos cursos de coach, por correspondência ou presencial. Ao mesmo tempo, fazê-los não garante nada também.
Claro que seria pedir demais que o marco dos games contivesse algo como x% do orçamento da União TEM que ser investido no fomento à criação de games, como produto cultural de um povo sofrido e maltratado. Do jeito que está escrito, só tem promessas e mesmo essas não me parecem suficientes para uma declaração de amor explicito, total e irrestrito ao marco dos games. Nem entendo por que razão alguns o fazem com tanta veedemência.
A parte que trata das criancinhas é totalmente desnecessária, até porque já tem uma montanha de leis protegendo-as. Não comungo muito com a interferência irrestrita do estado, na formação intelectual, social e cultural dos menores. Isso é obrigação dos pais.
No lugar dessa seção poderia ter uma totalmente dedicada à obrigatoriedade, no ensino médio, de matérias relacionadas ao desenvolvimento, pesquisa, programação e produção de games. Não para formar pequenos empreendedores pagadores de impostos e/ou recebedores de dinheiro público a fundo perdido, mas para aplicar de forma divertida conhecimentos de matemática, história, geografia, política e por ai afora, supostamente aprendidos em anos anteriores. Não é trocar matemática por filosofia mas ampliar e fortalecer a base de conhecimentos essenciais para a nossa formação. Talvez isso não seja tão legal ou importante quanto eu acho que seja, por promover os cidadãos mais novos a um novo patamar de auto conhecimento e torná-los menos propenso aos enganadores de plantão.
No artigo 19º, vetado pela equipe do presidente, dá pra ver nitidamente o dedo forte do lobby de empresas estrangeiras, querendo uma boquinha a mais nas remessas de dinheiro ao exterior. Mais um perdeu mané pros espertos.
No geral o marco dos games é mais do mesmo, mas é importante que ele exista e isso deve-se creditar ao pessoal que batalhou firmemente para a sua aprovação. Como diz um amigo, melhor ter uma lei do que nada.
Prefiro mais aquele outro ditado que diz cachorro mordido por cobra tem medo até de linguiça. Se rolar, não seria a primeira (nem a última) vez que uma boa lei seria interpretada, pela fada suprema da conveniência, de forma a nos prejudicar por completo. Inclusive com mais taxações e impostos.
O chato de já ter dobrado o cabo da boa esperança é que está fresquinho na memória aquele baita movimento para tirar uns impostos absurdos dos games e que terminou com um dos principais cabeças da coisa pedindo para colocar imposto em jogos por download, apenas por vingancinha. De boas intenções o inferno tá cheio, então, saudemos o marco legal dos games, mas sempre com um pé atrás, porque o boss pode estar à espreita na próxima curva.
Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.
Imagem: equipe Quebrando o Controle
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.