Por Um Punhado De Bits: Eureka, De Onde Vem As Ideias?

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Reza a lenda que o Pong, famoso por ser creditado como o marco inicial da indústria de games digitais, nasceu por conta da observação de alguns técnicos em eletrônica, olhando um ociloscópio. Se olhar agora mesmo, para a tela de um equipamento desses, entenderá na hora de onde veio essa inspiração.

No final das contas, inspiração faz parte de um pacote de coisas interessantes, como criatividade, prática e constância. Dizem por aí que a criatividade é como um músculo normal do corpo humano: todo mundo tem, mas é preciso exercitar para aumentar e fortalecer o que já existe. Depois de quase 45 anos na causa dos games, cada vez mais acredito nisso. Seria legal se existissem Smart Fits para desenvolvedores, não é mesmo?

Pera, elas existem sim. São os cursos de desenvolvimento de games (os bons, claro) e uma outra atividade chamada Game Jam. Mas antes de chegar ao senhor Eureka, vamos traçar alguns conceitos, no que diz respeito ao ato de fazer um joguinho.

Existe uma diferença enorme, gigantesca e abissal entre “fazer um jogo” e “produzir um jogo”. Fazer é o ato ou ação de criar a mecânica, o enredo, tema, artes e sons e misturar tudo num caldo que faça sentido para um possível jogador. Produzir é pegar tudo isso e transformar num produto comercial pleno, com embalagem/apresentação, mídias, propaganda, distribuição, preços, etc. Cá entre nós, fazer é muito mais legal e divertido que produzir, ainda que não renda de imediato frutos financeiros (a não ser que você saiba como explorar esse pequeno detalhe). Ser indie é essencialmente isso: gostar de fazer sem medo de ser feliz.

Mas, fazer por fazer não é tão simplesinho assim. O “caldo” tem que fazer sentido, ser divertido e principalmente ser instigante. E instigante significa que outra pessoa, além do próprio autor, possa sentir o desejo de experimentar o caldo. Sabe aquela sopa da vovó, que só de sentir o cheiro já dá vontade de tomar?

Pois é isso mesmo, o cheiro do game pode ser temperado com a ideia por trás do jogo. Vou dar um exemplo clássico: desde sempre eu quis fazer um jogo à lá Banco Imobiliário. Para quem não conhece este jogo, lançado por volta de 1935, trata-se do maior e mais importante jogo de tabuleiro de todos os tempos. Veja só o que dizem sobre a sua criação, internet afora…

“O jogo Monopoly foi criado em 1935 por Charles Darrow, que perdera o emprego de vendedor de sistemas de aquecimento justamente por causa da crise econômica. Ele se baseou em outro jogo, o The Landlord’s Game (O Jogo do Senhorio), que fazia uma crítica ao capitalismo ao mostrar que monopólios são fontes de desigualdade e pobreza. Inverteu a lógica e criou um tabuleiro no qual o cidadão comum pode virar um magnata de mentirinha”.

Landlord’s Game foi criado por Elizabeth Magie que, em 1904 então com 38 anos de idade, patenteou a primeira versão do mecanismo do jogo. Inspirada pelos escritos de Henry George, o objetivo do jogo de Magie era demonstrar que as teses de George estavam corretas em relação à acumulação de propriedades e da necessidade de taxas e impostos para regular os problemas (parece atual, né não?).

Um verdadeiro jogo divertido e ao mesmo tempo uma crítica, que permite ao jogador ter uma visão (ainda que ficcional) do que é ou no que resulta a acumulação de bens e capitais, sem a chata e famigerada militância para o que é certo ou errado.

Então vejamos: dá pra concluir que, ao olhar ao seu redor e levando em conta ideias e momentos presentes na época, Magie conseguiu traduzir tudo isso numa mecânica funcional divertida e que atravessou décadas de sucesso pelas mãos da Hasbro e (aqui no Brasil) da Estrela. Ideia simples e genial.

Assim como Pong e Banco Imobiliário, ideias para jogos divertidos estão vagando por ai, à espera de um desenvolvedor que as entenda ou se inspire nelas. Vale lembrar que não é preciso nenhuma luneta potente para vê-las, bastando apenas prestar atenção aos acontecimentos, aos fatos, locais etc.

O truque aqui é exercitar a criação, ainda que no começo as ideias e mecânicas não façam muito sentido. Daí a importância dos cursos e jams, afinal são duas situações nas quais errar é permitido e acima disso, é desejado pois o erro leva ao aprendizado e a prática do aprendido leva à perfeição. Quantidade de criações, ainda que inexpressivas podem ser mais valiosas do que apenas uma ideia pseudo genial que leva duzentos anos para ser concluída.

De novo, ser desenvolvedor indie é isso: fazer sem o compromisso implícito de ter um resultado financeiro expressivo logo de cara ou tornar o jogo conhecido no mundo inteiro. Talvez isso explique a baixa divulgação nas mídias de jogos nesta categoria, afinal esses jogos exigem muito mais que um simples release do fabricante.

Quanto ao banco imobiliário que eu sempre quis fazer? Bem, o dia pode estar mais próximo do que se imagina e nem é tanto banco assim e menos ainda imobiliário (no sentido de amealhar imóveis e empresas).

Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.

Imagem: equipe Quebrando o Controle