Quando a computação pessoal começou a existir, os computadores deixaram de ser um item no imaginário dos nerds mais antenados e passaram a ser simples equipamentos domésticos. O primeiro movimento de adaptação dos jogos, ao novo universo de possibilidades, mirou nos passatempos mais conhecidos na época: jogo da forca, tênis, paredão, velha, batalha naval, damas, xadrez e assim por diante.
Era final dos anos 70, início dos 80 e em pouco tempo a brincadeira do entretenimento digital ganhou formas de expressão nunca antes imaginadas, trazendo com seus spaces invaders, penetrators, asteroids e tantos outros, um multiverso de representatividade e de linguagens de comunicação.
Vale lembrar que, diferentemente dos consoles de games prontos, o computador abria a possibilidade de seu próprio dono criar. Criar o que? Simplesmente o que ele quisesse, já que aprender programação era essencial para fazer a máquina ter alguma utilidade, justificando assim a sua compra.
Embora a inovação tecnológica das imagens e sons fosse, num primeiro instante, o alvo principal dos desenvolvedores de hardware, os de software não ficaram fora dessa corrida e ao longo de quatro décadas foram experimentadas inúmeras formas de representatividade.
Ainda temos os triple A como o mais importante segmento de desenvolvimento quando olhamos apenas para os aspectos comerciais da atual indústria de games. É a ponta do iceberg. Mas a cultura não se prende a um único segmento, por mais tentador que ele seja. A cultura nutre e abastece seus resultados na liberdade de expressão.
A questão passa a ser então expressar o que?
Já vimos, em outra matéria desta coluna, a questão da liberdade de protestar. De colocar num jogo digital questionamentos políticos válidos, sejam eles de qual coloração for. Mas não é apenas isso que está em jogo, com perdão pelo trocadilho. Vivemos um momento social repleto de questionamentos e de lutas por espaços de representatividade e os games, como forma de expressão moderna, nos dão essa possibilidade. Assim como uma dona de casa pode gravar um vídeo despretensioso, no sofá da sua casa, sobre a sua visão política atual e bombar na internet, deveria ser corriqueiro também um jovem qualquer expor, num game casual, todo o seu questionamento quanto aos rumos do mundo. Isso vai muito além de vender a ideia de uma indústria.
A recente repercussão inusitada do caso do samurai negro, no game Assassin’s Creed Shadows da Ubisoft, acendeu um sinal de alerta para questões que talvez precisemos de mais conscientização, conhecimentos e discussões. Por mais que esse caso seja emblemático, ele não pode ofuscar todos os outros temas que também merecem um destaque especial nessa nova mídia digital, que recebemos de presente na moderna era digital.
Ao mesmo tempo é preciso dosar, como tudo na vida, o entretenimento e o questionamento, para não resultar no final uma coisa milito nauseante. Não devemos perder de vista, em tempo algum, que o primeiro impulso de jogar um determinado game é a sua promessa de diversão. Se ele, na apresentação, já se mostra um potencial jogo chato, que venha o próximo porque opções é o que não faltam.
Como desenvolvedores precisamos estar atentos e não ter medo de experimentar, porque a queda da liberdade de ter opinião ou de dizer o que pensa sempre precede a perda de outras liberdades. Inclusive a de fazer o jogo que você bem entender, ainda que essa garantia esteja expressa numa lei recente.
Como dito algum tempo atrás : “eleição não se ganha, se toma”, podemos estar entrando numa era na qual as leis são escritas para não serem cumpridas.
Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.
Imagem: equipe Quebrando o Controle
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.