Alanah Pearce, designer do Santa Monica Studios, agitou a semana passada com um comentário inusitado: a qualidade do jogo AAA é irrelevante. A frase, altamente questionável, foi usada para ilustrar o momento atual da indústria mundial de games, com suas demissões, fechamentos e crise (existencial). Segundo ela, as empresas estão preferindo apostar em games serviço do que simplesmente em games pacote.
De um lado até faz sentido. A curva de desempenho comercial de jogos single player é bem mais acentuada no começo e vai decaindo ao longo do tempo. Já os jogos serviço, tipo aqueles que tem nas micro transações seu principal meio de receita, tem uma curva menos acentuada no começo porém mais estável ao longo do tempo. O lado bom disso é que os estúdios triple A não precisam produzir um jogo novo a cada ano. Jogos grandes, além de caros e complicados para produzir, em caso de fracasso podem determinar o fechamento da empresa.
Dai a busca constante por “esticar” a presença dos jogos, no mercado, quando eles dão sinais de que farão algum sucesso nos primeiros momentos da sua comercialização. E, segundo Alanah, as grandes empresas estão preferindo esse modelo.
Outro ponto curioso e que faz todo sentido, é que os jogos que demandam muito tempo de gameplay para chegar a algum lugar (ou mesmo apenas jogar, sem objetivo final) competem não apenas com outros jogos da mesma categoria mas com tudo mais que pode “capturar” a atenção dos jogadores e levá-los para outra forma de entretenimento. Não basta ser bom – tem que ser bom o tempo todo e bom aqui deve ser entendido como “prender a atenção do jogador”. Daí o comentário dela não ser tão assustador quanto possa parecer à primeira vista.
A única coisa questionável na crítica dela é o fato de que isso pode ser a razão da atual crise no mercado, com as demissões e fechamento de estúdios.
Na minha opinião, ele (o mercado) pode ter crescido demais, recebido incentivos demais ou simplesmente não ter a flexibilidade exigida para uma atividade tão dinâmica quanto o desenvolvimento de games. O mundo muda o tempo todo e cada vez que ele muda o faz numa velocidade maior que na vez anterior. Talvez a era dos grandes estúdios, com equipes gigantescas e faturamento astronômico tenha ficado no passado e o modelo que precisamos hoje tenha que ser mais flexível.
Mas isso não quer dizer que o mar está pra peixes, digo, pros indies. Neste segmento as coisas também não andam lá muito bem e fica cada vez mais difícil emplacar um sucesso comercial real e não apenas aquele sucesso imaginário. Já foi o tempo que bastava fazer um jogo, colocar numa store e partir pro abraço. Uma parte dos empreendedores já percebeu que o conjunto da obra vale mais que um título que leva 200 anos para ser concluído.
É claro que ninguém quer perder seu emprego e nenhum empresário quer ver seu negócio falindo mas é assim que a banda toca. Os tempos mudam, as expectativas mudam e o interesse dos consumidores muda mais rápido ainda. O truque é ter sempre uma atitude flexível e de adaptação.
Se olharmos para o início dessa era e compará-la aos dias atuais, notaremos por padrão que não é o tamanho do jogo, da equipe e do faturamento que realmente impulsionam o sucesso mas aquela fagulha que brilha nos olhos do jogador, assim que ele começa a jogar.
Talvez jogos descartáveis, do tipo jogue uma vez, divirta-se por um tempo e que venha o próximo, estejam mais afinados com os tempos modernos. Mas, no final das contas, teremos que aceitar o fato de que hoje o mercado é muito mais segmentado do que era anos atrás e que deverá ficar ainda mais, nos anos que virão. Não dá pra agradar a todo mundo, o tempo todo.
Mas, não importa de onde viemos, onde estamos e para onde vamos, a qualidade é sempre relevante, embora não seja “o” fator determinante do sucesso.
Se quiser conferir a matéria com a informação original, basta clicar nesse link. O vídeo da Alanah, segue na íntegra, em inglês, no final desse artigo.
Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.
Imagem: equipe Quebrando o Controle
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.