No início da informática pessoal, programar era uma necessidade básica para extrair alguma utilidade dos computadores. Na sequência do aprendizado de programação, fazer um game era quase obrigatório, ainda que copiando ideias, mecânicas e soluções dos jogos tradicionais. Nessa época, primeira metade dos anos 80, havia três “linhas” de hardware, a saber: Sinclair ZX, TRS 80 e Apple II.
Embora nessas três linhas a linguagem de programação nativa fosse o BASIC, os “sotaques” específicos de cada uma tornava quase impossível “portar” um programa de uma linha para outra. Na digitação de pequenos programas, sem sofisticações, ainda dava pra quebrar um galho. Então, essa era a primeira decisão importante para quem ia fazer algum programa, em especial um game: qual linha ou “bolha” valia a pena investir tempo e recurso?
Por anos as bolhas, incomunicáveis, foram evoluindo (ou desaparecendo) em alinhamento com as evoluções do hardware. Vieram os Spectrum, os MSX, os Amigas, Apples e a maior de todas as bolhas: o PC. Os celulares também apareceram como bolhas, no começo da sua existência.
Com o passar do tempo e o domínio da bolha PC, as distinções começaram a ser (finalmente) pautadas pelo software. Apareceu a bolha do game 3D em primeira pessoa, do game de estratégia em perspectiva isométrica, os já famosos games de plataforma, bolhas menores como quebra cabeças, jogos de narrativa e assim por diante.
Hoje chegamos (novamente) ao ponto de termos bolhas por hardware: PCs, consoles (com suas inúmeras sub bolhas) e celulares ou dispositivos móveis como preferem alguns, podendo incluir também a bolha dos portáteis. E dentro desse sistema, as bolhas temáticas ou de estilo / tamanho – games AAA, games indies, games online, multiplayers e por ai afora.
Ok, mas o que isso tem de importante para a decisão sobre fazer um game?
Em primeiro lugar, como nos “antigamentes” (lá nos anos 80), os militantes de uma bolha quase não se comunicam com outra bolha. Elas vão fortalecendo seus limites a ponto de ser difícil rompê-los. E por que iriamos querer romper uma bolha? Para ampliar o alcance das nossas produções, ora bolas.
Veja bem, não é errado atender o seu público por afinidade, mas ele pode ser bem limitado e ainda sofrer restrições cujas origens a gente nem consegue mapear. Tipo: não jogo game br, ou se for pixel art eu não jogo, e por aí afora. Pode soar infantil mas se uma parcela da bolha pensa assim, é uma parcela a menos que irá se importar com seu game (e nem estou falando de comprá-lo).
Sei que é cômodo e irresistível ficar na sua própria bolha, mas não é essa a melhor atitude no mundo da indústria de games. Pode ser até mesmo uma questão de sobrevivência, se desfrutar das benesses dessa indústria for o seu caso.
Quer entender um pouco mais? Comece pela grande bolha dos jogadores de games digitais. Logo irá perceber que nela existem duas sub bolhas: os hard gamers e o casuais e geralmente eles não se entendem. Em seguida vem as bolhas pautadas por hardware ou SO, tipo nintendo versus sega, android versus IOs, PC versus Apple, etc.
Ah, mas tem game que roda em quase todos os dispositivos. Exatamente, alguém está tentando romper o máximo possível de bolhas. E ao mesmo tempo criar a bolha do game ou daquele tipo específico de game. No final das contas não escapamos de lidar com uma ou algumas bolhas.
A única situação não recomendável aqui é tentar atingir uma determinada bolha na marra, estando dentro de uma outra bolha. O tiro geralmente sai pela culatra, quando sai.
Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.