Sinestesia, Cinestesia e Cenestesia: Quando o corpo e os sentidos falam ao mesmo tempo

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Quando os sentidos dançam juntos
Imagine ouvir uma música e enxergar cores. Ou sentir o gosto de uma palavra. Para algumas pessoas, essa experiência é literal. Chama-se sinestesia, uma condição neurológica em que os sentidos se cruzam e criam percepções simultâneas. É como se o cérebro misturasse fios de diferentes circuitos sensoriais, fazendo com que o som tenha cor, o toque tenha sabor e o número tenha textura.

A sinestesia não é uma doença, mas uma variação perceptiva rara. Estudos de neuroimagem mostram que há uma comunicação ampliada entre áreas cerebrais responsáveis por sentidos distintos, o que explica por que alguns indivíduos “ouvem cores” ou “veem sons”. Pessoas sinestetas costumam ter essas experiências de forma consistente ao longo da vida. A letra “A” pode ser sempre vermelha (já que gosto e indicar livros por aqui, leiam “A Letra Escarlate” de Nathaniel Hawthorne), e o número “7” pode soar agudo, por exemplo.

Além do fascínio científico, há também o encanto artístico. O compositor Alexander Scriabin criou obras em que tons musicais se projetavam como cores. Kandinsky, o pintor abstrato, dizia que cada pincelada tinha som. Na música pop, Billie Eilish e Pharrell Williams relatam enxergar cores enquanto compõem. É como se cada sinesteta vivesse dentro de uma sinfonia particular de sentidos.

Cinestesia: o sentido do movimento
Apesar da semelhança no som, a cinestesia (com “c”) é algo totalmente diferente. Ela diz respeito à capacidade de perceber o próprio corpo em movimento. É o sentido que nos permite saber onde estão nossos braços e pernas, mesmo de olhos fechados. É a base da coordenação motora, da dança, do equilíbrio e até da escrita.

A cinestesia é essencial para a consciência corporal e depende de receptores localizados nos músculos, articulações e tendões. É por ela que conseguimos tocar o nariz de olhos fechados ou manter o equilíbrio em uma bicicleta. Sem a cinestesia, o corpo perderia a referência de si mesmo, tornando os movimentos descoordenados e a percepção corporal confusa.

Na cultura pop, essa percepção aparece simbolicamente em personagens que têm consciência extrema de seus corpos e movimentos, como Neo, em Matrix, quando aprende a manipular as leis da física dentro da simulação. Em termos neurofisiológicos, é a cinestesia em ação máxima: o corpo e o cérebro agindo em sincronia.

Cenestesia: sentir-se por dentro
Já a cenestesia (com “ce”) está relacionada à percepção interna do corpo. É o “sentir-se vivo” em nível fisiológico, a consciência de sensações como fome, calor, cansaço, conforto e bem-estar. É uma percepção subjetiva que integra as informações vindas dos órgãos internos, músculos e sistemas corporais.

Quando alguém diz “sinto que algo não vai bem” ou “tenho uma sensação ruim no corpo”, está se referindo à cenestesia. Em alguns quadros psiquiátricos, como a depressão, há alterações cenestésicas importantes. O corpo é percebido como pesado, lento ou desconectado. Em certos delírios, a pessoa pode até sentir que partes do corpo desapareceram ou deixaram de funcionar.

A cenestesia é o pano de fundo do sentimento de existir. É ela que nos dá a sensação de “estar presente” no próprio corpo. Quando esse sentido falha, a experiência de realidade pode se fragmentar.

Três percepções, um mesmo cérebro
Sinestesia, cinestesia e cenestesia revelam dimensões diferentes da consciência sensorial. A primeira mistura sentidos; a segunda, percebe o movimento; e a terceira, traduz o sentir interno. Juntas, mostram como o cérebro não é um sistema isolado, mas um organismo que integra corpo, mente e emoção em um único fluxo.

Essas experiências demonstram que nossa percepção da realidade é muito mais subjetiva e interligada do que imaginamos. A mente não apenas interpreta o mundo, ela o recria a partir da forma como sentimos, movemo-nos e existimos.

Checkpoint final
O cérebro humano é um maestro silencioso, capaz de reger uma orquestra de sentidos que tocam ao mesmo tempo. Na sinestesia, ele mistura cores e sons; na cinestesia, coreografa o corpo; na cenestesia, traduz a experiência de estar vivo.

Cada uma dessas dimensões nos lembra que a saúde mental não é apenas pensar com clareza, mas também sentir com harmonia. Entender como nossos sentidos dialogam é entender um pouco mais sobre nós mesmos e sobre como a mente pinta, move e habita o corpo em uma mesma melodia.