Quando você ouve, ou lê em algum lugar, que todo dia aparecem jogos novos na Steam, dificilmente para para pensar no tamanho real dessa enxurrada e no buraco que ela cria para quem está começando. Vamos descer ao nível dos números, ver o que isso significa para o dev indie e pensar em três estratégias de rompimento para sair dessa encrenca.
Vamos com calma, porque a quantidade é assustadora.
Em 2023 foram lançados mais de 14.500 jogos na Steam, segundo estimativas do SteamDB (Game Developer). Isso dá uma média de quase 50 jogos por dia só nessa loja. Quando você soma outras plataformas, esse número vai para a estratosfera (Tech Times). Em 2024, o número estimado subiu ainda mais, quase 19.000 novos títulos foram publicados (Game World Observer).
Agora imagine: você, estúdio pequeno, entra nesse mar revolto, com ondas de vários de metros de altura. Todo dia você compete com dezenas de outros jogos. A questão não é ter o melhor jogo mas ser visto (e socorrido se possível).
Entrar na Steam hoje exige algo simples, mas que muitos ignoram: pagar a taxa de envio (hook fee) de cerca de US$100. Só isso não garante nada. Segundo dados, mais de 5.000 jogos lançados em 2025 nem chegaram a recuperar essa taxa (GamesRadar+). Outro estudo mostra que em três anos mais de 41.000 jogos foram lançados e, metade deles, faturaram menos de US$ 500 (Game World Observer). Ou seja: além de pagar para entrar, você ainda briga para chamar atenção e muitos jogos simplesmente desaparecem.
A visibilidade é o gargalo. Em 2024, apenas 15% do tempo de jogo dos usuários da Steam foi gasto em títulos recém-lançados (app2top.com). Os jogadores continuam preferindo aqueles que já conhecem ou que tiveram marketing pesado. Seu jogo novo entra, recebe poucas horas, poucas visualizações e… morre de invisibilidade.
Mesmo não tendo bola de cristal e nem mesmo clarividência, posso pensar em três alternativas reais para o dev indie romper essa primeira barreira de resultados.
Sair do anonimato não é confortável, mas algumas estratégias práticas ajudam:
- Escolher um nicho e dominá-lo. Em vez de tentar competir com shooters ou simuladores gigantes, escolha um gênero ou estética pouco explorada, tipo retrô, quebra-cabeça com tema local, narrativa brasileira, jogo minimalista para mobile ou PC. Um nicho menor significa menos concorrência e mais chances de alcançar quem realmente se importa.
- Construir antecipação e comunidade antes do lançamento. Crie uma demo, participe de eventos, publique vídeos de making-of, use redes sociais e grupos dev para gerar expectativa. Comunidade engajada compra, joga, divulga. Se no lançamento você já tiver a plateia, não estará sozinho no lançamento. A visibilidade inicial ajuda a evitar que seu jogo seja enterrado na lista de 50 lançamentos do dia.
- Diversificar pontos de entrada. Não dependa só da Steam ou de um único momento de lançamento. Considere versões para outras plataformas, sales promocionais, bundles, até publicação em mercados alternativos ou com preço diferente. Monetização e visibilidade podem vir de diferentes canais e quanto mais portas você abrir, maior a chance de alguém te ver.
O que isso significa para quem faz jogo no Brasil:
Se você está desenvolvendo, o cenário pode parecer intimidador e ele de fato é. Mas não é impossível. O desafio é ter clareza: não basta fazer um ótimo jogo; é preciso fazer um ótimo jogo que alguém encontre e jogue. Cada dev independente que entende esse contexto e age de forma estratégica aumenta sua chance de sucesso.
Porque no fim, o que separa lançamento que some de lançamento que marca não é só a ideia ou o orçamento, é a visibilidade, o timing e a comunidade. Se conseguir entrar nessa roda, pode virar parte dos 8% que faturam mais de US$ 100.000 (dados gerais) ou, no Brasil, dos que sobrevivem e continuam criando.
O mercado está cheio mas a oportunidade para quem se movimenta com inteligência ainda existe. A maré pode estar alta, mas quem surfa a onda certa tem mais chance de chegar à praia. E se tiver um tempinho a mais (e uns 10 reais pra gastar), leia o artigo “How to survive gaming’s age of superabundance” para entender o esgotamento do jogador frente ao volume. Saiu no Financial Times.
Pra quem não é assinante do FT, deixo aqui um resumo do artigo:
O artigo aborda o fenômeno da superabundância de jogos digitais, títulos em número cada vez maior, lançados em plataformas como Steam, consoles, mobile e serviços de assinatura e explora como essa saturação está alterando o valor, a atenção e o modelo de negócio da indústria de games.
Volume crescente de lançamentos: a publicação mostra que o número de jogos novos aumenta ano a ano. Essa abundância leva a um mercado em que o desafio maior para um desenvolvedor não é apenas criar qualidade, mas ser descoberto em meio à maré de ofertas. O consumidor, por sua vez, passa a sofrer de fadiga de escolha, e grande parte do tempo de jogo dos usuários se concentra em poucos títulos de destaque.
Disputa pela atenção como recurso raro: em meio a tantas opções, a atenção do jogador torna-se o ativo escasso. Lojas digitais, plataformas de streaming e serviços de assinatura disputam um tempo que o jogador tem limitado. O artigo destaca que, em muitos casos, títulos pequenos ou tardios são engolidos porque simplesmente não conseguem visibilidade.
Implicações para os modelos de monetização: o artigo aponta que, em um cenário de abundância, os modelos tradicionais de venda unitária enfrentam pressão, os consumidores esperam promoções, descontos ou preferem títulos em serviços de assinatura. Isso reduz a margem de retorno para jogos menores. Além disso, o risco de não recuperar sequer os custos básicos de publicação cresce.
Estratégia e sustentabilidade: o artigo sugere que, diante desse ambiente, os estúdios precisam repensar suas estratégias: focar em comunidades, engajamento de longo prazo, nichos bem definidos e mecânicas que incentivem retenção. Também ressalta que grandes orçamentos podem ser mais arriscados, já que o momento de destaque do lançamento é curto e a janela de oportunidade se estreita.
Custo oculto da superabundância: embora pareça ótimo ter inúmeros jogos para escolher, a superabundância implica em custos: para desenvolvedores (riscos altos, necessidade de marketing intenso, ruído), para jogadores (decisão difícil, dispersão de tempo e dinheiro) e para o ecossistema (qualidade média pode cair se a competição for só por volume). O artigo alerta que ter muitos jogos não necessariamente equivale a ter bons jogos acessados.
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.