Por Um Punhado De Bits: Tiraninhos, Taxações e Ctrl+Alt+Hipocrisia

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No país onde até videogame vira assunto pro STF, é claro o sinal de que ou estamos muito avançados ou completamente perdidos. Como em todo bom jogo bugado, a realidade brasileira parece estar rodando num servidor alternativo, com lag institucional, gráficos mal renderizados e um NPC gritando “recalcule sua rota” a cada 15 segundos.

E como todo bom jogador brasileiro, já nos acostumamos a não ter save point.

Vamos por partes, como diria Elize, caso aparecesse em um jogo nacional, que fosse imediatamente censurado por “incentivar a violência”.

Em uma dessas sessões que misturam juridiquês, autoajuda e teatrinho cívico, uma ministra do STF disparou contra os “tiraninhos do dia a dia”. Com tom firme e olhar entre o cansado e o iluminado, ela disse que a democracia morre aos poucos, nos pequenos abusos, nas arrogâncias do cotidiano, nos julgamentos antecipados.

Sim, ministra. A senhora tem razão.

Mas talvez os 213 milhões de tiraninhos tenham aprendido observando os tiranões. Aqueles que decidem o que pode ou não ser dito, jogado, compartilhado. Aqueles que vetam memes, removem postagens, censuram páginas, mandam prender jornalistas, tudo em nome de proteger a liberdade, uma liberdade cuidadosamente monitorada, georreferenciada e avaliada por especialistas em constitucionalismo emocional.

No Brasil atual, a democracia não está morrendo só nos porões, ela está em coma na sala de estar, cercada de ministros, influenciadores e deputados com tendências performáticas.

E os tiraninhos? Esses viraram DLCs. Estão em todo canto. Instalam-se nas redes, criam mods no X, e aparecem nas lives de política com webcam tremida e certezas absolutas.

Enquanto isso o Trump, essa versão 4K, dublada em ultraje do velho caudilho de reality show, mandou um pacote tarifário para os brasileiros que fez até o Taxxad chorar, mesmo com seus mais de 90% de taxa em compras internacionais. Com a elegância de um chefe de fase que se recusa a morrer, Donald promete taxas sobre games, chips, consoles, plataformas e até sobre o botão de Start.

A ideia é proteger a economia americana. O resultado? Jogadores pagando mais, indústrias migrando menos, e o resto do mundo sentindo a ressaca do protecionismo embriagado.

Mas, verdade seja dita, o Brasil nunca precisou do Trump pra criar dificuldades: já taxamos jogo como se fosse luxo, culpamos a violência virtual por assaltos reais, e ainda temos um Estado que fiscaliza mais quem compra um joystick no AliExpress do que quem desvia verba de creche ou de aposentados do INSS.

Parabéns, Brasil. Você conseguiu: é o único lugar onde importar um console é mais difícil que zerar Dark Souls sem morrer. E não adianta muito culpar os empresários malvadões sem levar em conta as taxas do nosso campeão de taxação.

Se uns abraçam a bala e o B.O., outros parecem rodar num modo narrativo alternativo, onde discursos progressistas convivem com práticas que fariam Stalin revirar no mausoléu.

De um lado há a defesa das minorias, dos espaços artísticos, da liberdade criativa. Do outro, censura prévia a jogos “problemáticos”, moralismo disfarçado de pedagogia digital, e uma sanha por controle que faria qualquer dev de jogo sandbox chorar. E tome a recivilização do brasileiro normal, aquele que existe para pagar boletos e taxas.

O jogo Bolsomito, por exemplo, virou alvo da ira coletiva e não porque era tecnicamente fraco, mas porque ousou satirizar. O erro não foi o conteúdo; foi a direção da crítica. Já um jogo que exalte Che Guevara metralhando o “imperialismo pixelado” provavelmente seria saudado como “ferramenta de pedagogia libertária interativa”.

A incoerência é tanta que não se sabe mais se estamos em uma narrativa ramificada ou num loop infinito, onde cada tentativa de diálogo é interceptada por um gatekeeper com mestrado em “performatividade dialética”. Haja jabuticaba pra dar conta do recado.

Claro, não poderíamos deixar de mencionar o eterno vilão: os jogos que incentivam a violência.

Essa ladainha ressuscita a cada tragédia, como um zumbi de Resident Evil. Um garoto atira? A culpa é do Call of Duty. Uma escola sofre atentado? É por causa do Counter Strike. Um político é vaiado? Talvez Minecraft tenha dado más ideias sobre destruir estruturas.

Pouco importa que não haja uma única evidência científica sólida ligando videogames à violência real. A lógica é clara: é mais fácil culpar o pixel do que encarar o abismo da negligência estatal, do abandono familiar e da completa falência educacional via estado.

Enquanto isso, o Grand Theft Auto continua vendendo milhões e sendo jogado por jovens que, na vida real, mal têm dinheiro para pegar dois ônibus até o estágio.

E em meio a tudo isso, a economia brasileira vai rodando em modo survivor: o player tenta segurar a inflação com um escudo quebrado, enquanto o desemprego lança ataques aleatórios e o fantasma da estagnação ronda as cidades.

O real está desvalorizado, o crédito sumiu, o café virou item raro e o feijão caiu em missão secundária. Os boletos não têm checkpoint. O salário mínimo está no modo tutorial, mas a vida vem no modo hardcore.

E o desenvolvedor de jogos? Esse sobrevive com um pé no freela e outro no edital-cujo-link-não-abre. Cria com paixão, publica no Itch.io, ganha likes e nenhum pix. Enquanto isso, o governo flerta com regulação digital que ameaça transformar a internet numa praça vigiada.

A culpa não é dos jogos. Nunca foi. O problema é um sistema político e social que precisa sempre de um bode expiatório, de um culpado rápido, de uma distração interativa. Enquanto os verdadeiros vilões passam ilesos, com seus bônus e seus lobbies.

No fim, o Brasil é como aquele jogo feito às pressas, cheio de promessas, com trailer bombástico, mas que na hora do lançamento, vem cheio de bugs, sem manual, e com final abrupto.

Mas a gente continua jogando. Porque, no fundo, ainda acreditamos que vale a pena tentar passar de fase. Senão isso, então é melhor começarmos a estudar como fazer jogos à lá Venezuela.