10 anos sem o visionário Pai dos Videogames, Ralph Baer

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Não deve haver no planeta, ou ao menos nos grandes centros urbanos, quem nunca tenha ouvido falar de Odyssey ou Genius (também conhecido como Simon). Estas são apenas duas das dezenas de invenções de Ralph Baer, mundialmente reconhecido como o Pai dos Videogames, falecido há dez anos, no dia 05 de dezembro.

Ainda que seu nome seja, talvez, menos famoso que o de personalidades como Shigeru Myiamoto ou Nolan Bushnell, profissionais que deram significado aos games por meio de produções da Nintendo e da Atari, a importância de suas criações para o mercado de games (e também de brinquedos!) é inegável. Seu legado visionário será para sempre reconhecido pelo mercado criado a partir de sua inventiva genialidade e tenacidade, que não se abalaram mesmo ante à estranheza com que suas ideias foram recebidas no início.

De fato, como contou o próprio criador em entrevista de 2007 à Game Developer magazine [reproduzida parcialmente pelo site Gamasutra], a receptividade da Diretoria da Sanders ao projeto “Brown Box” foi, no mínimo, decepcionante. “Foi uma espécie de ousadia judaica”, declarou à reportagem. “Eu era responsável por uma divisão [na Sanders Associates Inc.], que era certamente inflexível o bastante para considerar [a ideia de] produtos comerciais, que dirá coisas como videogames […] Mas eu peguei uma dupla de rapazes, coloquei-os para fazer algo que eu queria feito e ninguém precisava saber a respeito”, contou, explicando a malandragem de sumir com um par de engenheiros entre os mais de 400 profissionais da empresa de tecnologia militar, para fazê-los dedicarem-se ao projeto secreto. “Foi o que fiz”.

“Quando tínhamos algo que parecia bem resolvido, eu liguei para Herb Campman, nosso diretor corporativo, e o encontrei imediatamente. Ele me deu dois mil dólares [pelo trabalho] e me fez agir honestamente. Em um mês, eu deveria fazer uma demonstração ao presidente da empresa”, comentou o inventor, ao explicar a estranheza com que seu projeto foi recebido pelo corpo de diretores. “O conselho de administração foi a uma reunião naquele dia, e estavam todos lá, assistindo a minha demonstração. ‘O que diabos você está aprontando?’ e ‘Pare de mexer com essa porcaria’, foi o que eu ouvi”, rememorou. A história é contada com outras palavras na entrevista concedida a Gardner Hendrie, em 2006, disponível online.

O fato é que Baer não desistiu de seu projeto, ciente de ter um projeto revolucionário nas mãos, diferente das pessoas em seu entorno, incapazes de perceber o potencial de sua criação. Levaria ainda muito tempo até que seu projeto se convertesse em uma produção de sucesso junto aos lares norte-americanos, na forma de um console de games, com opções relativamente limitadas mas ainda assim impressionantes para a época, levando ao ambiente doméstico atrações vistas apenas nos parques de diversão, com brinquedos como Tiro ao Alvo e a perseguição ente oponentes, agora em formato eletrônico.

Estas ideias de Baer não eram novas e vinham sendo consideradas há mais de uma década, como o próprio inventor escreveu em seu site pessoal: “Enquanto estávamos envolvidos em alguns projetos com vídeo, nenhum dos trabalhos na minha divisão, ou voltados para esse assunto no resto da empresa, se envolveu com o desenvolvimento de tecnologia para transmissão de televisão”.

“Quanto a mim, desde meus primeiros dias com o trabalho de design para equipamentos de estúdio de transmissão televisiva e receptor TV, por volta de 1951, em Loral, minha formação em engenharia de televisores e experiência profissional ocasionalmente trouxeram à tona formas de pensar o uso do aparelho de TV para algo diferente de assistir às transmissões convencionais”, explicou.

Mais tarde, como o autor registrou nos relatos mantidos em seu site, o projeto tomaria forma mais definida: “Em 1966, o pensamento sobre a reprodução de jogos usando um aparelho de TV comum começou a se infiltrar em minha mente. Quando eu projetei e construí um equipamento de TV em Loral, em 1955, eu estava determinado a fazer exatamente isso: construir um jogo que diferenciasse o nosso aparelho de TV dos da concorrência”.

“A Administração [da Sanders] disse ‘Não’ e o assunto estava encerrado. Durante uma viagem de negócios a Nova York no último dia do mês de agosto em 1966, enquanto espera outro engenheiro Sanders em um terminal de ônibus para uma reunião com um cliente na cidade, escrevi algumas notas sobre o uso de televisores comuns para jogar games. Eu lembro nitidamente de estar sentado lá em um dia ensolarado e escrever em uma pequena caderneta espiral sobre o joelho… essas notas desapareceram. Mas não as páginas do documento que eu escrevi na manhã seguinte. Eles sobreviveram até hoje e estão no Smithsonian, juntamente com todo o hardware de jogo que nós construímos ao longo dos três anos seguintes”, relembrou.

O caso de sucesso parcial do Odyssey é conhecida pela maioria dos interessados em história dos videogames (o aparelho vendeu cerca de 300 mil unidade ao longo de três anos de comercialização), mas a receptividade à novidade poderia ter sido muito maior e, quem sabe, inviabilizado o domínio do insurgente VCS 2600, da Atari, não fosse a canhestra estratégia de marketing da equipe de vendas dos televisores da Magnavox.

David Winter explicou a questão em um texto no site Pong-Story: “Problemas inesperados logo começaram a assombrar o programa: Primeiro, a Magnavox lançou o Odyssey em seu comercial de outono na Tv de uma forma que passava a impressão de o Odyssey funcionar somente em aparelhos de Tv da Magnavox; em seguida, definiram o preço em elevados US$ 100 para a unidade de jogo com mais seis cartões do programa que poderiam se transformar em doze jogos diferentes usando os overlays [lâminas plásticas que acompanhavam o jogo para colar na tela das TVs]; e, finalmente, eles decidiram cobrar outros gritantes US$ 25 pelo rifle, o que, naturalmente, tornou tudo difícil de vender. Em segundo lugar, as vendas ficaram restritas às lojas franqueadas da Magnavox […] Naturalmente, isso diminuiu consideravelmente a base potencial de vendas”.

Não muito depois, Nolan Bushnell, criador da Atari, encontraria na tecnologia do aparelho a oportunidade para lançar-se definitivamente no mercado, com a criação do arcade Pong (algo que o investidor negaria a vida inteira). Um acordo judicial entre Ralph Baer e Bushnell transformaria a Atari em licenciada da tecnologia de Baer, permitindo o lançamento do arcade em escala global.

Se, de fato, Bushnell passou a perna em Baer com a adaptação de Tennis do Odyssey para as máquinas de Pong, O inventor alemão daria o troco, adaptando a ideia de Touch Me, arcade da Atari, no monumental sucesso de vendas de Genius (Simon, no original), que transformou-se em uma das maiores manias de jogos eletrônicos domésticos, celebrado ainda hoje e grande recordista de vendas.

Em Touch Me, o aparelho original lançado pela Atari, o jogador deveria repetir as sequências luminosas dispostas no aparelho. Em Simon, Baer utilizou a mesma ideia, mas acrescentou às luzes efeitos sonoros que tornavam o jogo eletrônico muito mais atraente e convidativo, além de ser um produto portátil para levar às festas e reuniões de família. Produzido para a Milton Bradley, o jogo é sucesso ainda hoje.

Em seu currículo, Ralph Baer ostentou mais de 150 criações de jogos e inventos, o que demonstra que sua criatividade estava muito além dos games e plenamente concatenada com o mercado de entretenimento.

Seu legado permanecerá para sempre homenageado, em games, em jogos eletrônicos, dispositivos tecnológicos, brinquedos como o famoso ursinho Tv Teddy e muitas outras invenções dignas de um professor Pardal em carne e osso. Nesse vídeo-retrato do site Vimeo é possível conhecer algumas de suas inúmeras criações: Inventor Protrait: Ralph Baer.

Vida longa a Ralph Baer.

Esse texto foi publicado originalmente no dia 08 de dezembro de 2014, site Play’n’Biz, hoje indisponível.

Imagem: Jens Wolf/DPA /Landov | NPR