Como visto recentemente no artigo sobre o livro Video Games Around the World, de 2008, do professor Mark J. P. Wolf, o capítulo brasileiro sobre game design é bastante incompleto, em razão da baixa produção de textos e pesquisas sobre o mercado nacional de jogos digitais.
Nessa obra, a pedagoga e pós-doutora em jogos eletrônicos e aprendizagem, Lynn Alves, contribuiu com um conteúdo que busca traçar o panorama do desenvolvimento de games no pais, mas alerta para a dificuldade de acesso aos saberes ligados à essa cultura, dado que existem
poucos trabalhos a respeito, sendo um deles, o livro de Marcus Garrett, do qual falaremos hoje.
“É difícil reconstruir a história de desenvolvimento de jogos no Brasil porque há muito pouco escrito sobre o assunto — notadamente o trabalho de Marcus Chiado e o Gamebrasilis (Catálogo de Jogos Eletrônicos Brasileiros), ambos fundamentais para a redação deste ensaio”, destacou a docente da Universidade Federal da Bahia, no texto.
“Em meio a tantas boas novas, um autor aparece com a missão de resgatar a parca memória brazuca de nosso breve histórico com games; Marcus Vinícius Garrett Chiado, o Garrett, profissional conhecido e respeitado no ambiente digital, por seu garimpo dos primórdios da diversão eletrônica, a partir dos lançamentos regulares da revista digital Jogos 80, já há vários anos circulando na rede”, escrevi, doze anos atrás, para o Portal GeeK, em um texto sobre os livros : O Ano dos Videogames no Brasil” e “1984: A Febre dos Videogames Continua”, então lançados pelo autor.
Abaixo, reproduzo parcialmente esse texto, já que as obras em questão ainda estão disponíveis, foram revistas, ampliadas e transformadas em novo material, tudo à venda no site da loja luso-brasileira Bitnamic Software.
Incansável, o multimidiático autor lançou recentemente dois trabalhos que se propõem justamente a refrescar nossa memória para a irregular história dos vídeo games no Brasil.
Os livros “1983: O Ano dos Videogames no Brasil” e “1984: A Febre dos Videogames Continua” tentam extrair do limbo digital muito do que já foi pensado e escrito sobre os primeiros lançamentos de consoles e games no país, em uma época tão singular como foram os anos 80, período conhecido como “década perdida”, em que situações ímpares marcaram a sociedade brasileira, como o estouro da inflação, o Plano Cruzado e as Diretas Já, entre outros adventos socioculturais não menos importantes.
O Projeto
Conforme já observado, Garrett desde sempre vem cultivando a intenção de manter viva a memória da cultura digital brasileira, seja para falar do surgimento da informática ou para avaliar os primeiros games e consoles.
Nessa proposta, o autor vai além dos textos de cunho pessoal e entrevistas com personalidades do passado e elabora um cuidadoso levantamento jornalístico das muitas matérias desenvolvidas pelas veículos tradicionais de comunicação na época de lançamento dos primeiros aparelhos para games por aqui.
Além do uso de revistas sobre eletroeletrônicos do período, que acabavam cobrindo assuntos do gênero (já que não havia ainda publicações dedicadas), Garrett soube fazer uso de um outro recurso gratuitamente oferecido pela rede: os acervos digitais de jornais e revistas, mais exatamente, Folha de São Paulo e Veja, respectivamente.
Este decisão mostrou-se acertada, considerando que a iniciativa supre parcialmente a lacuna de pesquisa e registros do atabalhoado mercado de games daqueles anos.
Outro aspecto curioso foi a decisão do autor de buscar um serviço de impressão sob demanda ao invés de uma editora especializada. “Desde o início, minha ideia era fazer um trabalho independente. Não procurei editoras porque não queria interferência no conteúdo”, afirmou Garrett em recente entrevista à Revista E nº 180, do Sesc SP, de maio de 2012.
O Conteúdo Histórico
Conforme visto anteriormente, Marcus Vinícius pratica a arte de chafurdar as memoráveis relíquias do alvorecer da informática e dos jogos eletrônicos desde os anos 90, o que lhe confere, no mínimo, boa dose de experiência nesse campo.
Paralelamente, desenvolveu um estilo pessoal de escrita, extremamente coloquial e livre, que foge das terminilogias acadêmicas de certas produções e oferece-nos uma despretensiosa informalidade, de modo que a leitura flui prazerosa.
Seu campo de pesquisa, como já visto, utilizou-se de acepções pessoais, entrevistas realizadas, livros, revistas, seus muitos contatos com colecionistas e entusiastas de games e o acervo digital do jornal Folha de São Paulo e da revista Veja. Destes dois últimos, Marcus Vinícius extraiu grande parte do conteúdo histórico e das ponderações dos profissionais à frente de tais lançamento.
Ainda que estes materiais ofereçam apenas um olhar direcionado para o aspecto inovativo dos insurgentes consoles, a iniciativa parece obter êxito, já que, por meio das reportagens e a opinião de profissionais, o texto tornou-se enriquecido pelas expectativas e previsões de mercado, muitas das quais jamais saíram do campo das intenções, o que confere um caráter pitoresco de curiosidades do baú ao material.
A obra possui preciosidades e opiniões intrigantes como “… à época em que o Atari Polyvox seria lançado, fui procurado por eles, pois queriam saber se poderiam comercializar o Atari, uma vez que a marca – Atari – estava registrada por mim”, como declarou Joseph Maghrab, em 1983, conforme registro da página 35 do primeiro livro.
Em muitos momentos como esse da publicação, Garrett acaba por fazer uma breve análise dos fatos em as próprias palavras, o que contribui como uma avaliação histórica daquele momento da indústria brasileira para os jogos digitais.
As informações abrangem o período entre o início de 83 e o final de 84, no conteúdo apresentado pelos dois livros, de forma não regularmente cronológica, embora siga o encadeamento dos fatos.
Mesmo ciente do fato de que os primeiros consoles tenham aportado no país no final dos anos 70, o recorte histórico da obra inicia-se em 83, levando em conta justamente a importância desse intenso movimento local com a nova mídia, de modo que as primeiras empresas nacionais iniciassem a produção de cartuchos (não oficiais) já no início daquela década, demonstrando o interesse nacional pelos games, culminando com a decisão da Polyvox em produzir o console no país sob licença da Atari.
O segundo livro apresenta um número significativamente maior de imagens, sendo algumas aparentemente inéditas ou exclusivas, como o material referente ao Telegame, sistema de carregamento de jogos de Atari via telefone, desenvolvido no Brasil e inédito no mundo, ou os esboços do game da Turma da Mônica para o console Odyssey, jamais produzido.
O acervo de imagens reunido pela obra vale o investimento para saudosistas, pesquisadores e entusiastas, por tratar-se de uma compilação de conteúdos sobre games e consoles provavelmente única no país.
Conclusão
Mais do que um breve panorama histórico de nossa irregular produção gamer, o trabalho serve como material de consulta permanente, tendo em vista o elaborado e criterioso processo de pesquisa e compilação de dados a que Garrett se propôs, com muito empenho e entusiasmo.
Daqui há 10anos, quando a cultura gamer for um tema acadêmico e cotidiano tão comum quanto a sociologia, as poucas cópias eventualmente encontradas nos sebos ou nos colecionadores de livros estarão sendo disputadas a tapa.
Hoje, ainda é possível encontrar exemplares dos dois livros em livrarias online, com um certo empenho e garimpo na rede. A atualização 1983+1984: Quando os Videogames Chegaram – Adendo, que apresenta informações e fotos adicionais oriundas de mais pesquisa e de outras entrevistas, está fora de catálogo.
Esse texto foi adaptado do artigo original, escrito em 21 de maio de 2012 para o Portal GeeK.
Imagem: acervo de Kao Tokio
Editor-chefe do Quebrando o Controle, Geek assumido e fanático por RPG e Dungeons & Dragons, o profissional atua desde 2007 no jornalismo de games, com passagens pelos veículos Portal GeeK, Game Cultura, GameStorming, Rádio Geek e Drops de Jogos, entre outros.