Devwill Too ZX: Jornada Existencial em Pixel Art no ZX Spectrum

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Em uma realidade perdida, nas margens de um mar primordial, encontra-se um ovo adormecido há milênios. Uma fissura começa a rasgar sua casca protetora. De repente, o ovo explode em um sopro que dá vida a uma pequena criaturinha artificial: um Homúnculo, cuja consciência é lançada ao mundo exterior. Sozinho, ele vê seu reflexo nas águas calmas que testemunharam seu nascimento e se questiona sobre o sentido da sua individualidade. Existirão outros como ele? Olhando para o horizonte, ele vê um portal, talvez erguido para responder ao seu dilema existencial. Ele segue em direção ao portal e, após um momento de hesitação, atravessa-o em direção ao desconhecido…

Do outro lado, apresenta-se um mundo exótico, de natureza exuberante e geografia colorida. Florestas pontilhadas por ruínas de civilizações desaparecidas, grutas e cavernas misteriosas que escondem segredos antigos. Vagueando com os sentidos perdidos nessa nova experiência, o Homúnculo mal percebe que este espaço é lar de criaturas estranhas e perigosas. Uma se aproxima e o instinto o faz pular sobre ela, esmagando-a! Desta vez, ele escapa, mas outros olhos o observam de longe…

O pequeno ser artificial continua sua jornada e encontra, em uma plataforma inacessível, um Ankh que lhe sussurra um encanto. Ele entende a urgência de aprender como sobreviver nesse mundo bizarro, pois algo em seu íntimo o leva a buscar os cálices do conhecimento e alcançar a Chave da Vida. Talvez consiga chegar ao seu destino e entender o propósito da sua existência!

A história narrada poderia ser a sinopse de Devwill Too ZX, mas não é. Entendi a descrição minimalista da introdução do jogo como uma carta branca do autor para ceder espaço à imaginação do jogador. Abusei dessa confiança e criei minha interpretação deste lindo jogo carregado de significado existencial. O protagonista é um Homúnculo cujo propósito é procurar o sentido da vida. Uma entidade cabalística teria criado este ser à sua imagem através de artes de alquimia há muito esquecidas. Aos nossos olhos, o recém-nascido se parece com um diabinho de pele vermelha, surpreendentemente ágil para seu pequeno tamanho.

Os gráficos são coloridos e contrastantes, fazendo bom uso dos atributos de cores e gerando a atmosfera certa para os lugares que o Homúnculo atravessa, sejam as úmidas grutas, as florestas primaveris ou as ruínas opressivas. Nosso diabinho se move graciosamente pelo cenário com um controle bastante responsivo, tornando agradável a experiência de percorrer as várias partes deste mundo perdido. Muitas seções do mapa estão inacessíveis ao nosso herói, que só conseguirá chegar lá se encontrar os cálices que ativam duas novas habilidades essenciais para a conclusão do jogo.

A primeira é o salto duplo, que permite ao nosso diabinho alcançar plataformas inacessíveis com um salto simples. A outra habilidade é a rasteira, que projeta o protagonista em um movimento horizontal muito rápido, destruindo obstáculos que bloqueiam o acesso a algumas cavernas. Uma em particular está trancada por uma porta indestrutível na qual está desenhado um Ankh. Este símbolo representa a chave que se encontra visível, porém inalcançável no início do jogo, sendo necessário encontrar um caminho alternativo pelo mapa de 44 telas, povoado por criaturas hostis e obstáculos perigosos que ao menor contato resultam na perda de uma vida.

Mas nem tudo são dificuldades, pois espalhadas por essas áreas também estão várias Garrafas da Vida, que restaurarão uma vida ao nosso Homúnculo, sendo que só existem nove dessas garrafas, algumas muito bem escondidas. Perigos como abismos profundos e espinhos cortantes devem ser evitados, mas outros, como os agressivos habitantes deste mundo, podem ser derrotados com um pulo preciso do nosso diabinho sobre a cabeça deles. Se fizer uso de sua manobrabilidade no salto, poderá eliminar uma combinação de inimigos antes de tocar o chão, o que se refletirá na pontuação adquirida: 10, 20, 40 e 50 pontos para 2, 3, 4 e 5 criaturas consecutivas, respetivamente.

A ambientação é reforçada pelas músicas que se sucedem em momentos-chave do jogo. A cada habilidade aprendida, uma nova música se abre, gerando uma atmosfera diferente, reforçada pela introdução de novos inimigos no mapa, resultando em uma crescente expectativa para o clímax do jogo. A disposição do próprio cenário contribui para a percepção de um mundo ilusório que se sobrepõe à lógica. Vários espaços parecem se repetir, apesar de corresponderem a caminhos distintos no mapa. É compreensível que a reutilização de telas seja um mal necessário, devido à escassa memória da máquina (ZX Spectrum) que renderiza o mundo virtual do nosso Homúnculo. Curiosamente, isso serve perfeitamente à percepção de imensidão onírica de quem atravessa um vasto mundo esotérico.

Muito se tem escrito sobre o produto da criação, mas… e sobre a fértil mente que o gerou? Amaweks é o apelido do brasileiro Paulo Andrés, ilustrador, pixel artist e game designer de Florianópolis (Santa Catarina, Brasil), que estreou nas lides do ZX Spectrum (microcomputador da década de 1980) com este fantástico Devwill Too ZX. Longe de ser inexperiente, Paulo já conta com um catálogo de títulos autorais em diversas plataformas, tendo até se aventurado no mundo retrô da consola Mega Drive. O universo de Devwill Too tem atravessado gerações tecnológicas, desde o moderno PC até às máquinas arcanas dos anos 90 e 80. Não é de se estranhar que logo a primeira criação de Paulo no ZX Spectrum pareça tão coesa e aprimorada aos olhos do jogador.

Desenvolvido no Multi-Platform Arcade Game Designer, é mais um jogo dentre muitos oriundos desta ferramenta. Ainda assim, do ponto de vista puramente técnico, é graficamente competente, tirando partido da limitada paleta de 15 cores do ZX Spectrum, com uma jogabilidade muito agradável e uma excelente composição de músicas, não fosse Paulo experiente em desenvolvimento autoral. O jogo não representará um desafio para os viciados em dificuldades extremas, mas também não é moleza para o mais casual dos jogadores. É bem acessível a partir do momento em que dominamos o salto e formamos uma imagem mental do mapa do jogo.

Mas o verdadeiro valor em Devwill Too ZX está em seu conteúdo filosófico: a eterna questão do sentido da vida. A premissa não poderia ser mais simples: um introspectivo ser artificial, sem um progenitor conhecido, parte em busca da Chave da Vida para se confrontar com a verdade que esconde um… Não! Não serei desmancha-prazeres! Os que quiserem conhecer o destino do Homúnculo devem jogar Devwill Too ZX, que está disponível, para as plataformas ZX Spectrum e MSX e a um valor acessível, neste link: https://amaweks.itch.io/devwill-too-zx

E afinal, o que esconde a Chave da Vida? Alguma vez saberemos?

Texto original: Planeta Sinclair