Talvez já tenha ouvido falar dessas três letrinhas, dentro do universo da criação de jogos. Elas significam Game Design Document e não as confunda com GDC, que significa Game Design Conference. A GDC acontece agora, de 18 a 22 de Março, em San Francisco / CA e é meio que a meca sagrada dos designers de jogos. Já o GDD é um “documento” que se propõe ser o santo graal ou bíblia individual de cada jogo. Nem tão lá e nem tão cá, em ambos os casos.
Aprendi, desde criancinha, no curso de DI (Desenho Industrial), no de CV (Comunicação Visual) e principalmente no de ML (Marcas e Logotipos) que todo produto “deveria” ter uma espécie de “manual técnico prático” para orientar outras pessoas sobre detalhes importantes no desenvolvimento e produção do referido produto. E isso já era arroz doce de festa no final dos anos 70 quando fiz essas graduações. Na verdade, não era tão criancinha assim, mas você entendeu o ponto, não é?
Vou dar alguns pequenos exemplos: uma marca ou um logotipo, ao serem desenvolvidos, precisam de testes de redução e ampliação, ou seja, quão pequeno ele pode ser ou quão grande ele aguenta ser reescalado sem perder as suas características visuais e conseguir manter a comunicação de forma eficiente. Já um copo de liquidificador precisa ter um desenho que suporte as forças presentes no seu funcionamento, em função dos materiais que são escolhidos para a sua fabricação. Já o desenho de uma embalagem de ervilhas, precisa ser avaliado em relação ao quanto de verde ele deve ter, para evitar o fenômeno da saturação de cor, na prateleira do supermercado.
Parece fazer sentido, não é mesmo? Então por que razão seria diferente com os jogos? Se o designer faz parte de uma grande equipe ou se pretende que sua criação perdure por anos, ele deve “documentá-la” bem. Isso significa que qualquer outra pessoa que tiver acesso a esse documento, tem plena condição de entender o que deve ser feito. E mais, saber onde produzir mudanças ou atualizações, sem perder a “alma” inicial do jogo (em caso de sucesso claro). Melhor ainda, não ter que refazer tudo do zero.
E o que entra nesse GDD? Considerações sobre linguagens de programação, tanto em relação à sua efetiva capacidade de resolver a mecânica proposta quanto às conveniências em relação às plataformas destinatárias; avaliações de custos de produção em relação ao tempo estimado de desenvolvimento; detalhamento da mecânica principal e secundária dos processos (jogo, menus e demais funções); detalhamento do enredo e suas ramificações; estilo visual para nortear os artistas e principalmente uma análise de jogos do mercado, que se aproximem do jogo proposto, como forma de “entender” como outras produtoras resolveram algumas questões. Fala a verdade: pensou que o game designer era só o cara que tem a ideia do jogo, não é?
Dá pra perceber, pelas especificações, que só por isso um GDD de boa qualidade exige do designer conhecimento sólido e experiência em produção e principalmente em compreender e expor de forma clara e concisa as mecânicas e as funcionalidades dos jogos. No caso dos grandes títulos, ou franquias, um GDD é uma obrigatoriedade da qual não se pode fugir.
Ainda acha que dá pra fazer o GTA do B (Grand Theft Auto Brasileiro) assim, de sopetão? Obviamente nenhum designer “nasce” sabendo ou tendo experiências sobre GDD e o conhecimento necessário para produzi-lo, mas também é certo que se nunca fizer um GDD, nunca irá de fato aprender os macetes envolvidos na sua produção. Então, mãos à obra gafanhoto.
No entanto, existe o lado alternativo e rebelde de ser, ou seja, o PI (Produtor Independente) ou apenas indie, para os íntimos da área. Indie fazendo GDD é como planejar minuciosamente um documento para uma viagem de 500 metros, de bicicleta. E isso não é pejorativo, como vou ilustrar a seguir.
A grande vantagem de ser LS (Lobo Solitário) ou ter uma minúscula equipe de trabalho e dispor de pouquíssimos recursos financeiros é que o tempo pode ser um grande aliado do desenvolvimento de uma carreira ou pequena empresa. Mas é claro que tudo vai depender do comprometimento dos envolvidos. Não há tempo para ficar mentalizando soluções e a saida é sentar na frente do computador e mandar bala (no sentido figurado). Usar as ferramentas que já sabe usar e produzir testes de funcionalidade e mecânicas o mais rápido possível. O bom dessa estrutura é que mudar de direção não vira um parto de alto risco, como quando se trata de um projeto grandioso.
A diferença entre o GE (Grande Estúdio) e o EI (Estúdio Indie) não deve ser apenas a quantidade de dinheiro e pessoas, mas a produtividade. Enquanto o GE faz um game grande em 3 anos, o EI lança uma dúzia deles (pequenos, rápidos e matadores). O propósito principal não deve ser tanto colocar todas as esperanças numa única cesta de ovos (como diziam as vovós) mas sim apostar na quantidade. No meio dessa dúzia, se tudo der certo, pode ter um SCE (Sucesso Comercial Estrondoso) que surpreenda a todos. E mesmo que isso não aconteça com toda essa pompa, ainda sobra o ‘oscar’ pelo conjunto da obra e uma boa experiência de trabalho.
Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.