“Uncharted – O Quarto Labirinto”, é uma obra literária baseada na série de games Uncharted, criada pela Naughty Dog para os consoles PlayStation. O exemplar foi gentilmente cedido pela Editora Saraiva, que lançou o livro através do selo Benvirá, empresa que integra o grupo editorial. Conforme prometido, seguem algumas opiniões sobre o material.
O Texto
Narrativas ficcionais baseadas em games começam a se tornar relativamente mais populares à medida em que os jogos eletrônicos ganham roteiros e personagens cada vez mais elaborados e o interesse do público gamer vai enveredando por outros focos a partir do universo ficcional criado (uma sacada transmidiática que traz sobrevida às franquias e aumenta a base de público do game). A série Assassin´s Creed, por exemplo, já foi contemplada com duas obras do gênero (Renascença e Irmandade, ambas em português, também pela Saraiva) e Bioshock Rapture é outra obra altamente cotada pelos fãs (mas sem tradução no Brasil, em 2012).
Uncharted – O Quarto Labirinto se propõe a abrir espaço para as aventuras de Nathan Drake, o explorador de relíquias do game que, na história, faz dobradinha com o inseparável amigo Victor “Sully” Sullivan, para auxiliar a jovem Jada Hzujak, que ocupa o papel da mocinha nada indefesa na trama.
Em linhas gerais, a história começa com o aparecimento do pai de Jada, o famoso arqueólogo Luka Hzujak, encontrado morto de forma chocante dentro de um baú em uma estação de metrô. Drake, que acabara de retornar de uma “missão” eletrizante no Equador, promete a Sully e Jada encontrar os responsáveis pelo assassinato.
As suspeitas recaem sobre Tyr Henriksen, empresário holandês capaz de quaisquer artifícios para conquistar seus interesses e patrocinador de uma exposição sobre labirintos históricos, tema de seu grande interesse e da pesquisa do arqueólogo assassinado, que trabalhara para o empresário pouco antes de sua morte.
Em meio a inúmeras sequências de grande ação envolvendo segredos, enigmas, mercenários e assassinos profissionais, Nate, Sully e Jada cruzam várias localidades na tentativa de desvendar os mistérios que envolvem a trama e os motivos que levaram à sina do arqueólogo.
O texto é ágil e agradável à leitura, transportando com competência o ambiente de rixas e camaradagem dos personagens originais do game para as páginas do livro. A dinâmica da narrativa remonta os clássicos do gênero e é impossível não relembrar uma ou mais cenas dos filmes de “Indiana Jones”, referência mais que óbvia para o universo dos games de Nathan Drake e fonte para muitas das ideias presentes no texto.
De fato, assim como na saga do Dr. Henry Jones, a história apresentada em O Quarto Labirinto costura ideias e mitos em um pout pourri de referências ancestrais que, embora seja satisfatoriamente “amarrado” no fim da aventura, não consegue evitar a sensação de que o autor aglutinou temas demais para a criação de um conto relativamente simples e de encadeamento previsível. A trama envolve alquimistas, Dédalo, o criador do Labirinto de Creta, Minotauros (sim, no plural), o Rei Midas e outras inspirações históricas e mitológicas que fazem o leitor se perguntar onde esta panaceia irá desembocar.
A Edição Brasileira
A edição do livro mostra o cuidado da editora com o produto final e a atenção ao público consumidor de entretenimento digital, um passatempo ainda hoje caro e, portanto, de clientela selecionada (ao menos no que diz respeito aos jogos adquiridos legalmente).
O material tem capa colorida com abas, acabamento plastificado e uma arte atraente e alusiva ao game, assinada por Jon Foster, artista de trabalhos criativos e elaborados (veja mais aqui: http://www.jonfoster.com/#home). São 415 páginas de aventura em papel fosco de boa gramatura, sem ilustrações internas, um elemento que certamente traria maior riqueza ao produto.
A tradução de Fábio Fleury é competente e inspirada, com adaptações adequadas para gírias e expressões idiomáticas, mantendo algumas referências no original em inglês, para melhor localização da ideia ou entendimento do contexto, sem perder o ritmo ágil da escrita de Christopher Golden. Expressões como “Bingo!” ou “Desembucha!” conseguem ambientar o leitor na trama e fazê-lo sentir proximidade com os protagonistas, que parecem agir com a naturalidade de velhos amigos rabugentos ao longo do texto. Os erros de revisão foram mínimos, o que é um ponto positivo para a produção, visto que esta é sempre uma questão crítica nas edições nacionais, sejam obras originais ou traduzidas.
O preço sugerido é um valor padrão de mercado e convidativo para atrair jovens leitores e apreciadores de aventuras rocambolescas como os desafios vividos nos games ou os filmes do tipo blockbuster, como a já comentada série de Indiana Jones ou as histórias de heróis, como os produzidos pelo estúdio da Marvel.
Avaliação
Uncharted – O Quarto Labirinto é um produto de boa qualidade, que deve encontrar facilmente um público leitor para as desventuras de Nathan Drake, em um momento em que o mercado editorial oferece tantas propostas de literatura juvenil equivalentes, a exemplo da saga de Harry Potter e títulos como Pierce Jackson e Eragon, entre outros.
No entanto, ao final da aventura, o texto de Christopher Golden não é capaz de criar o clímax esperado das narrativas tradicionais, apresentando uma história intrigante porém sem o brilho em seu encerramento. Os vilões estão definidos desde o início da trama, as sequências de ação são previsíveis e podem parecer repetitivas para leitores mais críticos e parece faltar à obra um certo viço, algo que surpreenda o leitor, para além do entretenimento corriqueiro oferecido pela leitura.
Christopher Golden é um conceituado autor transmídia, com trabalhos realizados para o mercado editorial de livros e quadrinhos, além de roteiros de games para Hellboy e X-men. Ainda assim, embora mostre conhecer em profundidade o universo ficcional e os maneirismos de Nathan Drake, o projeto peca em alguns momentos, ora pela obviedade linear da estrutura narrativa, ora pela overdose de referências.
Ainda que a ideia de unir em uma mesma lenda os reis Midas e Minos, contextualizar o labirinto de Dédalo como uma artimanha para esconder tesouros roubados e incluir na trama a presença misteriosa de combatentes furtivos e sanguinários semelhantes a ninjas, o texto de Golden deixa grandes buracos, aparentemente sem preocupar-se em oferecer justificativas convincentes para estes fatos. É crítico observar, por exemplo (Atenção! Spoiler à frente!!!) que a história sugira que Dédalo e seus artífices tenham se preocupado em construir câmaras especiais alusivas aos labirintos posteriormente criados se o objetivo fundamental do labirinto era evitar caçadores de tesouros. Seriam as tais câmaras um livre exercício de soberba, para mostrar ao mundo sua genialidade ou Dédalo queria testar seus algozes, sugerindo que seriam incapazes de vencer os desafios de cada novo labirinto? Nenhuma das possiblidades é considerada pelos heróis, o que leva o leitor a crer que foram criadas apenas para que a história flua linearmente. Ao final do texto (Atenção! Mais spoiler!!!), vemos que Sully foi drogado com o “Mel” da Senhora do Labirinto e transforma-se em um ninja tão feroz quanto os centenários guerreiros encapuzados. Seu retorno à sanidade é ainda intrigante à sanidade do leitor do que seu mergulho nas trevas da irmandade assassina.
Se o leitor souber abstrair estes e outros pontos fracos do romance, certamente irá se divertir com as reviravoltas e apuros dos personagens de Uncharted. O livro nem de longe consegue emular o clima das aventuras interativas do game, mas este é um problema de linguagem e técnica, mais do que de incapacidade do autor, que constrói boas cenas em ritmo de fliperama, com inúmeras situações e perigos para Nathan e seus amigos.
O lançamento do título no Brasil se deu durante a feira GameWorld, em março de 2012, em São Paulo. Na ocasião, um representante da editora comentava entusiasmado a projeção de vendas, estimado na casa dos 70 mil exemplares, um feito histórico, se considerarmos as baixas tiragens do mercado editorial brasileiro e o universo de gamers-leitores no país.
Uncharted – O Quarto Labirinto é leitura com diversão garantida se você estiver em férias curtindo o sol à beira da piscina. Não deverá empolgar jogadores tradicionais, nem deverá ser candidato ao melhor livro de aventuras do ano, mas, se você conhece o personagem central, conseguirá visualizar as cenas do game e divertir-se com os apertos e esquivas do melhor explorador de relíquias que a nova safra de games já produziu. Mas jogar talvez ainda seja mais divertido.
Esse texto foi produzido para o site Game Cultura em abril de 2012, a convite da Editora Saraiva, que gentilmente ofereceu uma cópia da obra.
Imagem: NoSet
Editor-chefe do Quebrando o Controle, Geek assumido e fanático por RPG e Dungeons & Dragons, o profissional atua desde 2007 no jornalismo de games, com passagens pelos veículos Portal GeeK, Game Cultura, GameStorming, Rádio Geek e Drops de Jogos, entre outros.