O uso de inteligência, tanto natural quanto artificial, se baseia em análise de dados passados para obter resultados a serem aplicados ou executados no presente. É tipo uma bola de cristal, sem toda aquela magia que cerca seu entorno e menos ainda a névoa que aparece dentro dela.
A pergunta de um milhão de dinheiros é: para onde vão dos games? Independentemente da tecnologia, que avança inexoravelmente, quais seriam os rumos do entretenimento digital? Conseguimos, com ou sem bola de cristal, vislumbrar pelo menos a direção mais plausível para o futuro?
O grande motivador no início da era digital era a novidade pura e simples. Brincadeiras que antes eram feitas com lápis e papel (ou tabuleiros) agora podiam ser feitas diretamente na tela de uma televisão ou monitor – forca, velha, batalha naval, damas, xadrez, banco imobiliário, war. No mesmo embalo, algumas brincadeiras novas começaram a aparecer, como Space Invaders, Pac-Man, Penetrator, Tetris e coisas desse tipo.
E, é claro, surgiram os adventures. Jogos de narrativa interpretativa não linear, adaptados dos RPGs de mesa com a mecânica dos livros de aventuras. Num universo predominantemente de equipamentos sem recursos gráficos e sonoros, os jogos baseados apenas em texto, conquistaram corações e mentes. Não tinha como ter esse tipo de jogo fora do mundo digital.
Ao longo dos anos, a tecnologia foi evoluindo, acrescentando recursos nunca antes pensados. Foi o aumento da velocidade de processamento e da capacidade de armazenamento de dados que abriu as portas da imaginação dos desenvolvedores e nos trouxe até um mundo maravilhoso, onde a fusão dos conceitos de entretenimento nos colocaram diante de um cenário inovador.
Maiores, mais bonitos, mais barulhentos e infinitamente mais divertidos, os jogos nos levam cada vez mais a um universo alternativo, com suas consequências boas e/ou ruins. Curiosamente, o aspecto comum a todas as fases evolutivas deste tipo de entretenimento é uma equivocada percepção de que batemos no limite da evolução. Parece que não há mais nada a descobrir, ou inventar ou experimentar mas a bola de cristal insiste em mostrar formas enevoadas de modelos e mecânicas ainda não tentadas.
Esse é o ponto mais crítico do desenvolvimento nos tempos atuais. Perceba: se um jogo (ou produto) vai levar uns 3, 5 ou 10 anos para ser plenamente desenvolvido, ele não pode simplesmente encapsular o modelo de mais visibilidade do momento. Daqui a 10 minutos,que na velocidade da internet corresponde a 10 anos, este modelo estará completamente obsoleto. A busca portanto é sempre por inovação, ainda que inspirada ou focada no passado.
Nos últimos 40 anos, sempre que perguntado pelo “jogo que eu faria no futuro” eu respondia todo cheio de pompa: daqui a 40 anos estarei fazendo o Amazônia para o Holodeck – e todo mundo ria da piada. Até o dia que uma pessoa, na primeira fila me perguntou “o que é Holodeck”? Como assim? Como pode existir uma única pessoa com interesse na área de games que não conheça os fundamentos de Star Trek? Pois saibam que existe, sim. E tem gente que confunde Star Trek com Star Wars e acredita que Spock é nome de jogador de futebol. Gente que nunca viu um Space Invaders ou sequer sabe que os livros – ah os livros! – possuem universos bem mais ricos e maravilhosos que o game mais atual. Isso, por si só já é um ponto relevante, uma lição: olhar o passado pode nos dar respostas mais pertinentes.
E já que estamos aqui tentando imaginar o futuro, fiz a seguinte pergunta ao chat GPT: Qual será o modelo de jogo de sucesso daqui a 40 anos? Destaquei algumas respostas que me pareceram mais relevantes e menos “modinha”, pra você pensar um pouco.
Experiências Multissensoriais: Com o avanço da tecnologia háptica e de interfaces cérebro-computador, os jogos podem oferecer experiências mais envolventes, permitindo que os jogadores interajam com o mundo virtual de maneiras mais diversas e sensoriais.
Jogos de Inteligência Coletiva: Jogos que incentivam a colaboração e o pensamento coletivo entre jogadores podem ganhar popularidade, proporcionando experiências de jogo únicas e desafiadoras.
Sustentabilidade e Responsabilidade Social: Com uma crescente conscientização sobre questões ambientais e sociais, é possível que os jogos do futuro incorporem elementos de sustentabilidade e responsabilidade social em suas narrativas e mecânicas de jogo.
Essa última bateu exatamente com minha recente proposta para o Amazônia – O Retorno. Uma crítica social em formato de narrativa interativa, sem exageros e sem coloração política exacerbada, assim como na versão original do jogo, que incorporou momentos relevantes do início da década de 80 como a morte de animais selvagens, relacionamento com povos indígenas, desmatamento e abandono de projetos militares. Da mesma forma que hoje temos questões prementes a debater, como a crescente morte dos povos indígenas, sua integração à moderna sociedade, garimpo ilegal, desmatamento abusivo, queimadas e até mesmo problemas sociais crônicos.
Mas quer saber da verdade? Não importa o que venha pela frente, ainda quero fazer o jogo para o Holodeck. Quem sabe se nessa interface ou device a gente consiga ser mais eloquente e menos tendencioso.
Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.
Imagem: Microsoft Creator
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.