No início dos tempos, ao ligar o computador aparecia numa tela preta um cursor piscante e (eventualmente) a palavra Ready. Soava mesmo como se o computador estivesse perguntando: estou pronto e você?
A crueza desta interface de uso do computador, antes de prejudicar a produtividade, dava a oportunidade ao desenvolvedor de olhar para o principal fundamento da criação de um jogo: todo game é um desafio proposto. Tudo mais gira em torno disso.
Antes do surgimento da moderna sociedade informatizada, os entretenimentos casuais mais conhecidos eram: batalha naval, forca, jogo da velha, 21 palitos e por aí afora. Games simples, que não exigiam nada mais do que um pedaço de papel, lápis e conhecimento de umas poucas regras. Quem nunca jogou um desses games, no fundo da sala de aula, tentando escapar do tédio de assuntos áridos como química orgânica ou magnetismo e eletricidade?
O desafio bem simples tornava a brincadeira mais divertida: vencer o oponente o mais rápido possível.
Hoje em dia, dado o universo de engines poderosas, assets, plugins, addons, extensões, bibliotecas de arte, som e procedimentos, sem contar a “mão na roda” que é a Inteligência Artificial, o desenvolvedor corre o risco de perder um pouco o foco principal da produção, que é justamente o desafio. Alguns games, mesmo esbanjando beleza, sonoridade e tecnologia, não convencem o público justamente porque não desafiam o jogador de forma objetiva.
Portanto, antes de perguntar pros amigos o que acham do seu game, pergunte a si mesmo: será que as pessoas ficarão tentadas (desafiadas) a vencer os obstáculos propostos? ou a desvendar os mistérios enunciados no enredo, independentemente da beleza gráfica dele?
Desafios bem construídos em jogos digitais não são apenas barreiras a serem superadas, mas elementos fundamentais para atrair e manter a imersão do jogador. Quando construídos com propósito, esses desafios vão além da mecânica e se tornam fios condutores da narrativa e da emoção. Cada obstáculo precisa fazer sentido dentro do universo do jogo, não estando ali apenas por conveniência, mas por carregar implicações para a história, o ambiente ou o estado emocional dos personagens. Isso faz com que o jogador sinta que está vivendo uma experiência, não apenas resolvendo tarefas aleatórias.
Além disso, desafios ativam o engajamento cognitivo do jogador ao exigir pensamento estratégico, tomada de decisões e aprendizado progressivo. Esse envolvimento intelectual gera uma sensação de crescimento real, como se o jogador estivesse desenvolvendo habilidades dentro daquele universo. A recompensa por superar esses obstáculos também deve ser significativa. Mais do que pontos ou itens, é desejável que a superação traga revelações narrativas, novos caminhos, momentos de catarse ou uma genuína sensação de conquista.
Não sou bom em dar conselhos, até porque se conselho fosse bom, a gente não dava, vendia. Mas uma coisa eu sei por experiência própria de desenvolvedor: na grande maioria das vezes temos as nossas expectativas frustradas por não atingir o sucesso desejado e isso não é um problema em si mesmo. Apenas não podemos levar muito a sério os resultados, nem os bons e muito menos os ruins.
Deixo aqui então, alguns pensamentos para o leitor ir avaliando, enquanto vai acrescentando experiência à sua trajetória como gamedev.
Cuidado com o escopo. Seu jogo começou como Pong com espadas, mas agora é um MMORPG interplanetário com ciclo de estações, sistema político dinâmico e culinária em tempo real. Respire e volte ao ponto de partida.
Salve tudo sempre. O Ctrl+S é seu melhor amigo. Porque o dia emque você esquecer de salvar, o universo saberá – e o PC travará com gosto. E não deixe de fazer anotações em papel (de preferência num caderno). No futuro elas podem salvar o dia.
Faça jogos porque acredita que eles são formas modernas de expressão e você gosta muito disso, não porque queira ficar rico. Mas, se ficar, manda um pix de incentivo pro colunista que te inspirou.
Teste seu jogo com alguém que não seja sua mãe. Ela vai dizer que ficou lindo mesmo se o personagem principal cair num buraco infinito ao apertar a tecla espaço.
Se algo não funciona e você não sabe por quê, fique tranquilo e seja bem-vindo ao clube. Se algo funciona e você não sabe por quê, aí sim entre em pânico!
Enfim, não é um bicho de sete cabeças se aventurar na criação de um jogo moderno. Já vai longe o tempo que a gente fazia isso com martelo e talhadeira. Mas a tela preta, de tempos em tempos, aparece em nossa mente. Você está pronto?
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.