Por Um Punhado De Bits: Plot Twist

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Plot twist é uma expressão em inglês que significa “reviravolta na trama”. É um recurso narrativo que consiste em um momento inesperado que muda completamente o rumo de uma história, seja em filmes, séries ou livros.

Na grande maioria dos casos, os plot twists não apenas “pegam” o espectador desprevenido como intensificam a imersão oferecida ao público da obra. São momentos especiais dentro da criação que servem para atiçar a atenção e renovar o interesse dos usuários (leitores, espectadores e jogadores).

Na estrutura clássica das narrativas interativas, onde a história não linear e multifacetada “desvia” a todo instante da sua trajetória básica, podemos dizer que ela é recheada de plot twists, porém de menor intensidade, o que de certa forma tira o impacto original desses elementos.

Vamos pegar um exemplo simples: um determinado jogo, montado em formato narrativa interativa, é formatado como uma busca por um tesouro lendário perdido. Temos, na ambientação e nos descritores o atendimento às características básicas para o projeto ser classificado como jogo – regras que governam a estrutura (segundo Caillois, ser jogo exige atividade livre, incerta, dentro e uma realidade ficcional, não produtiva e governada por regras). Portanto não pode ter seu resultado pré determinado e deve dar opções de escolha aos jogadores.

Digamos então que o tesouro lendário seja a meta motivadora para o jogador entrar na brincadeira, mas o seu final não é necessariamente a descoberta dele, podendo variar em não encontrar, morrer no processo, ficar perdido para sempre na busca ou simplesmente mudar de objetivo (isso sim seria um baita plot twist).

Quase todo mundo já passou pela experiência de, usando GPS (maps ou waze) perder uma entrada e assistir ao aplicativo recalcular a nova rota. Seria basicamente isso que um plot twist faria numa narrativa interativa: recalcular os novos desvios à frente. Até aqui navegamos pela parte fácil da implementação do twist. O problema maior vem agora: essa nova estrutura gerada a partir de uma escolha (interferência) do jogador deve fazer sentido.

A resposta está na ponta da língua: 10 entre 10 game designers diriam que a I.A. resolve isso com um pé nas costas, assoviando e chupando cana ao mesmo tempo. Mas será que resolve mesmo?

Do ponto de vista técnico não há qualquer dúvida de que já atingimos esse patamar evolutivo dos mecanismos de simulação de inteligência (ainda que políticos sem nenhuma I. insistam em “regular” essa ciência). Mas do ponto de vista conceitual podemos ainda não estar preparados para tanto e tal como vemos nas imagens de humanos com 6 dedos na criações via I.A. gráfica, uma narrativa 100% procedural pode levar o jogador a um beco sem saída (o que para alguns isso também faria parte do processo).

Pessoalmente prefiro algo mais restritivo ou melhor, mais moldável e adaptável aos conceitos iniciais, definidos pelo designer para o jogo. A exemplo do humano de 6 dedos, não seria nada inspirador se a busca pelo tesouro lendário terminasse como uma busca por um sorvete de goiaba com abobrinha, no açougue da esquina.

Daí que entram em cena duas tecnologias já conhecidas de longa data: processamento remoto e dinâmica de desenvolvimento. Trocando em miúdos, trata-se de processar o jogo num servidor e não de forma independente nas plataformas dos usuários e tudo isso feito de forma a absorver as alterações de imediato e para todos os jogadores, independentemente de atualizações, mudanças estruturais e conceitos.

Dá pra fazer isso hoje? Dá e sobra. Mas é preciso experimentar muito antes para afinar a mistura a ponto de torná-la palatável. Dá pra adotar esses experimentos imediatamente? Depende: se você baseou sua produção na Steam (ou similar) pode não ser possível neste exato momento (mas as plataformas de distribuição também não param de evoluir).

Seja como for, de uma coisa eu tenho absoluta certeza: em pouco tempo estaremos debatendo estruturas funcionais aplicáveis aos (futuros) holodecks, onde o jogo pode sequer ter um objetivo principal ou mesmo ter um final. Neste ponto estaremos dando mais valor à jornada do que à meta original específica.

Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.

Imagem: equipe Quebrando o Controle