Por Um Punhado De Bits: Protesto, Meretríssimo!

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Protestar é um direito inalienável dos brasileiros. Mas hoje em dia, com a possibilidade real de seu nome ir parar numa lista da PF para “averiguações” de opinião, fica complicado expressar tudo aquilo que passa em nossos corações peludos. Mas, como diz o velho ditado, tudo é passageiro (menos motorista e cobrador).

Aposto que não vai lembrar (até porque é provável que nem tinha nascido ainda) mas nos anos 60/70, com a censura da imprensa e do entretenimento em geral (teatro, cinema, literatura, música) vigorando a todo vapor, os jornalistas acharam um jeito curioso de passar o recado para os leitores: quando uma matéria era censurada pelo xandex da vez, o jornal, para não deixar o espaço em branco, publicava uma receita qualquer de bolo (ou poesia). Todo mundo entendia o recado e a censura nada podia fazer, ao amparo da lei. Não tinha cancelamento, desmonetização ou multa milionária que, como vemos hoje, podem ser mais eficientes que cadeia ou exílio.

Na música então nem se fala. Frases como “pai, afasta de mim esse cálice” ou “você não gosta de mim, mas sua filha gosta” nos levavam ao delírio. Jovens rebeldes contra o sistema, dando um balão nas autoridades de plantão. Era top demais.

Nos dias atuais vale a pena seguir o conselho da vovó: precaução e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, mas e o que fazer com aquela coceirinha que dá nos dedos de digitar críticas? O que e como fazer quando a gente é desenvolvedor de games? Simples assim: segue a onda, afinal, desde a pré-história dos jogos, todo desenvolvedor que quis “falar”, de um jeito ou de outro “falou”. Por que seria diferente agora?

O universo dos games permite, com alguns limites, que se faça uma crítica social para o lado que o desenvolvedor estiver inclinado. Indo da direita até a esquerda tudo é possível, enquanto as leis da censura não endurecerem de vez e as forças da opressão não escolherem definitivamente um lado. Vale a lição dos jovens dos anos 60/70: sempre tem um jeito de passar a mensagem.

Mas, antes de seguir tocando o terror nos games digitais, vale lembrar que uma das coisas mais importantes nas críticas ou games de protesto é o timming (além do assunto, claro). Você não pode demorar demais ou deixar o assunto esfriar. A percepção do momento pode ser completamente subvertida se passar muito tempo pois a crítica acaba perdendo eficácia. No tempo que a programação em flash era o top da internet (anos 2000), montar um mini jogo crítico (e divertido) era coisa para poucas horas e embora a qualidade geral do produto não fosse lá essas coisas, o recado podia ser dado com presteza, em cima do lance.

Escrevi “divertido” porque uma das características do povo brasileiro é justamente fazer piada de tudo. Talvez essa seja a melhor forma de crítica social, em contrapartida a uma exposição carrancuda e toda cheia de didatismo chato e corrosivo, principalmente quando o militante quer pregar o que é certo e o que é errado, quando apenas a visão pessoal dele já bastaria. Lembre-se sempre que o jogador pode nem mesmo entender a sua crítica e ir logo para o próximo jogo deixando o desenvolvedor falando sozinho. No mundo dos games, a fila anda bem mais rápido que o normal.

Outro ponto a ser considerado é que a grande maioria dos atos e fatos criticados, com o tempo vão ganhando uma espécie de névoa, por conta das teorias (algumas da conspiração) que vão aparecendo ao seu redor, até o ponto de haver uma reviravolta no sentido do próprio ato ou fato. Assim, um jogo de crítica, por mais atenção que ele desperte na largada, não tem uma vida muito longa e cai logo no esquecimento. Por conta disso, a decisão de o quanto gastar de tempo, atenção e recursos no jogo, passa a ser uma das principais preocupações do desenvolvedor. Além, é claro, dele não ser preso ou ir parar numa salinha para dar explicações para algum delegado de plantão.

Já temos youtubers, jornalistas, políticos, escritores, comentaristas e até jornalista estrangeiro que se viram às voltas com a justiça, por conta de suas opiniões. Até aqui não tivemos nenhum desenvolvedor de games passando por esse perrengue (por enquanto). Pensando bem, pela métrica de hoje, eu poderia estar no topo dessa lista por causa de um jogo que fiz, uns 20 anos atrás, por questionar o que hoje é inquestionável ainda que desde os fatos ocorridos até agora as autorias dos abusos nunca foram de fato questionadas, nem mesmo em relação ao cep delas.

Só lembrando que, até o momento no qual escrevo esses asciis reciclados, ter opinião a favor ou contra é um direito estampado na constituição, mas vale o aviso: use esse direito com moderação. Mesmo hoje não sei dizer ao certo se vale a pena ou não correr esse risco (ainda que se pareça estar do lado certo). Mas posso garantir que, independentemente da repercussão ou não, fica aquele sentimento de dever cumprido, do “fiz a minha parte”, mesmo que o certo mude de lado num piscar de olhos e o direito de todos passe a ser privilégio de alguns.

Não podemos deixar de lado também as questões de fundo financeiro, ou seja, ao fazer um game de crítica aos momentos que vivemos, por baixo a gente exclui metade do potencial público consumidor. Como vivemos no tempo da polaridade de alto contraste e da jurisprudência ditada pela fada da conveniência, vale o aviso de baixar o máximo possível as expectativas de retorno. O perigo aqui é acordar um dia e perceber que o público alvo, no final das contas, não estava nem aí para nossas críticas ou para as nossas opiniões.

E por que eu disse lá atrás que o universo dos games permite críticas com algum limite? Censura prévia? Auto censura? Nada disso. Apenas a constatação sempre presente de que, no final das contas, um jogo é para ser divertido e não para mudar a forma de pensar das pessoas. Se ele tiver uma mensagem embutida, que seja como bônus. Afinal das contas, a ideia é furar a sua própria bolha e atingir outras comunidades. Ou não?

Ah, se não percebeu, esse texto é um texto crítico e, ao mesmo tempo de protesto. Viva a liberdade de expressão e censura nunca mais porque ainda quero embutir algumas boas críticas nos meus próximos games.

Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.

Imagem: equipe Quebrando o Controle