“Não vou te ensinar como fazer um jogo mas como olhar para o mercado, na esperança de achar um cantinho pra chamar de seu…
Se conseguir chegar perto desse objetivo, talvez a gente possa olhar depois para algumas produções nacionais, sem o vício de achar que todo jogo BR tem que ser um GTA 6. Afinal, não é o tamanho do jogo que importa mas a diversão que ele proporciona.”
Isso foi escrito no texto de apresentação desta coluna, a primeira Por Um Punhado De Bits e de lá para cá tenho tentado justamente mostrar que a diversão está na imaginação de quem vê e não numa fórmula matemágica. Estão aí os Concords da vida para provar esse ponto.
Nunca escondi que tenho preferência pelas narrativas interativas, tanto nos modelos adventures, indo até os livros de aventuras e suas primas mais descoladas: as novelas gráficas (ou Graphic Novels) e neste momento estou curtindo (muito) uma delas, brasileira, chamada Uma Noite em Kawami, lançada em 17 de janeiro de 2024 pelo estúdio Brand New Whatever, com toda a pinta de virar uma novela de fato.
Já adianto que tem no Steam, é totalmente di grátis (com DLC de extras a módicos R$ 16,99), tem um visual agradável e não leva nem meia hora para você ir até o final e é sobre isso que quero abordar aqui, em primeiro lugar: a narrativa não tem exatamente um fim. É dito desde o começo (e nas infos do game) que é o início de uma saga, ou aventura e sobre isso deixo meu primeiro (de dois) não gostei. A narrativa começa com o desaparecimento de 3 pessoas, mas sobre elas nada mais é dito então fica a minha crítica: para deixar o final em aberto é preciso dar um pouco mais de informação para o leitor, para que ele se sinta induzido a querer mais e para não ficar com aquele gostinho de “hummm faltou alguma coisa”.
O recurso de “deixar em aberto para prosseguir em outro momento” é interessante, eficaz e no caso deste game o final do arco narrativo chegou cedo demais. Recomendo, neste caso, a leitura do livro Negra Cicatriz que acaba, mas não acaba (se é que me entendem). E cito explicitamente esta obra porque o autor, Arthur Protasio, aparece nos agradecimentos do game.
O outro ponto que me tirou da imersão foi a voz sintetizada do narrador que ficou mecânica demais, sem entonação e sem emoção nenhuma, em contrapartida com a interação dos “grunhidos” dos personagens. Vale como curiosidade, mas não agrega muito ao game.
Não vou dar spoilers do enredo porque ele é tão curto que perderia toda a graça ao conhecê-lo pessoalmente, então vá lá e confira. Curiosamente, mesmo me sentindo completamente fora do “tempo”, sem nem mesmo conhecer os estilos musicais mencionados, me senti em casa porque na adolescência havia, na minha turma, uma Tanya igualzinha em personalidade e atitude, a não ser pela cor do cabelo. Então senti que poderia encarnar o Max jovem, por alguns momentos.
O modelo funcional é o básico dessas novelas: clicar para avançar e selecionar as direções nos desvios da narrativa. Desde o primeiro momento percebi o estilo Ren´py na mecânica e não estava errado. Sei que existe uma comunidade br desta ferramenta e preciso buscar mais informações deles, pois é um estilo que curto muito.
Conclusão: vale a pena cada minuto que passar jogando. Não é um triple A, não é FPS massive multiplayer online de mundo aberto mas cumpre o prometido: te apresentar um enredo que terá desdobramentos mais à frente (espero que não demore).
Agora me deu vontade de jogar Soul Gambler, uma das primeiras Graphic Novels brasileiras a fazer sucesso, lançada em 1914 e que hoje está na faixa dos 100 mil a 200 mil owners. Belos números, hein, Fernandinho?
Esse modelo de jogo pode não despertar muito a atenção das mídias, até porque elas tem uma visão mauricinho de gameplay e mecânica, by release dos produtores. Vida longa e próspera ao game Uma Noite em Kawami e que venham logo as continuações.
Então, se quiser criticar, elogiar, xingar, falar palavras de incentivo, mandar pix pra ajudar na aposentadoria, etc, o canal mais eficiente é o velho e surrado e-mail: renato@tilt.net. Sinta-se livre pra descer o sarrafo porque nesta altura do campeonato, meu amigo, eu já sofri todas as críticas positivas e negativas que um gamedev pode sofrer.
Imagem: arte de Kao Tokio
Game Designer formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual, em 1981 pela PUC/RJ. Foi diretor técnico e editor da revista Micro Sistemas de 1983 até 1995. Produtor do site TILT online desde 1996. Autor de vários jogos para computador, tais como Amazônia, Serra Pelada, Aeroporto 83, Angra-I, Xingu, Resgate na Serra do Roncador, Pedra Negra, e muitos outros. Criador das ferramentas de produção e programação de jogos: Sistema Editor de Adventures, Zeus, Micro Aventuras e Projeto Gênesis.