Atari, uma história em dois livros e um documentário

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Passados 52 anos, a Atari ainda é uma marca relevante no universo dos jogos digitais e vem se renovando aproveitando o saudosismo dos games e o legado deixado por sua história.

O texto que segue foi escrito como uma homenagem a esse marco cultural dos games por ocasião dos 40 anos de existência da empresa, criada por Nolan Bushnell e Ted Dabney em 27 de junho de 1972, e parece ainda hoje atual.

As informações foram extraídas de dois livros não publicados no Brasil que contam, em parte, a história da empresa e de um documentário sobre a Atari, criado por um dos então designers de jogos da era de ouro da criadora do PONG.

Talvez não haja empresa no mundo que melhor represente o mercado de games, que ela própria ajudou a criar. Seu nome está associado aos videogames tanto quanto Spielberg está vinculado ao de cinema e a importância da empresa para esta indústria vai muito além dos sucessos e fracassos idealizados e protagonizados.

Vários autores dedicaram-se a estudar este fenômeno empreendedorismo tipicamente norte-americano e, aqui, busco reproduzir a ideia central de alguns destes pesquisadores. A intenção é, longe de plagiar seus trabalhos ou infringir direitos autorais, apresentar ao público gamer brasileiro as impressões destas obras (algumas não traduzidas) sobre a meteórica e fascinante história da Atari e reflexões quanto ao significado corporativo de sucesso na criação de negócios e novos mercados.

As informações que seguem foram retiradas do livro de Steven Kent, autor que talvez tenha melhor tenha esmiuçado os primórdios da história dos games, com uma obra rica em informações e vasta pesquisa.

Kent lançou, em 2001, o livro The Ultimate History of Videogames, um belo material com 624 páginas dedicadas a resgatar e apresentar muitas das informações técnicas e de bastidores dos primeiros dias do entretenimento digital até a recente história dos games.

Seu livro compila as opiniões de muitos dos mais destacados representantes da era gamer e, em linhas gerais, ele descreve assim o início da empresa:

“Após o fracasso de Computer Space, Bushnell decidiu iniciar sua própria empresa. Ele formou uma parceria a três com Ted Dabney, um engenheiro Ampex ele havia trazido para a Nutting Associates, e Larry Bryan, também da Ampex. Cada parceiro concordou em contribuir com US $ 250. Bryan mais tarde desistiu da parceria antes de contribuir com o seu dinheiro”.

“O primeiro passo da empresa foi selecionar um nome. Pesquisando em um dicionário, Bryan veio com Syzygy, uma palavra que descreve a configuração em linha reta de três corpos celestes – um eclipse solar é a sizígia da terra, a lua e o sol. Quando Bushnell apresentou o nome, o estado da California respondeu que já estava em uso. “Uma empresa de velas já detinha [o nome]. Eles eram uma espécie de comunidade hippie em Mendocino. Nós posteriormente tentamos encontrá-los por curiosidade. Eu acho que havia fechado naquela época. Eu nunca encontrei.”
Como não podia usar Syzygy, Bushnell buscou uma palavra do jogo de estratégia japonês Go. Ele escolheu o equivalente aproximado do termo “cheque” no xadrez e nomeou sua empresa de Atari” (p. 35).

“Logo após a contratação de Alcorn, Bushnell lhe deu seu primeiro projeto. Bushnell revelou que ele tinha acabado de assinar um contrato com a General Electric para criar um jogo eletrônico baseado no ping-pong doméstico. O jogo deve ser muito simples de se jogar “uma bola, duas raquetes e uma pontuação …. Nada mais na tela.”

Bushnell inventou a história toda. Ele não tinha assinado um contrato ou mesmo entrado em nenhuma negociação com a General Electric. Na verdade, Bushnell queria Alcorn familiarizado com o processo de fazer jogos, enquanto ele desenhava um projeto mais substancial. Bushnell tinha vendido recentemente aos executivos da Bally um conceito para um jogo espacial que combinava a física realística de Computer Space com uma pista de corrida” (p. 40).

“Alcorn levou quase três meses para construir um protótipo funcional. Seu projeto final surpreendeu Bushnell e Dabney. Ao invés de lhes dar um exercício interessante, Alcorn tinha criado um jogo divertido que se tornou um produto de destaque. Bushnell nomeou o jogo de Pong e fez algumas mudanças, incluindo adição de uma cesta de pão para coletar as moedas e um cartão com instruções em que se liam simplesmente, “Evite errar a bola para uma pontuação mais alta.” Para testar a comercialização do jogo, Bushnell e Alcorn a instalaram em um local com outros pinballs da Atari” (p. 42).

“Algum tempo depois do início da comercialização do Atari Pong, em 1972, a Magnavox levou a startup para os tribunais da Califórnia. A Magnavox argumentou que o Pong violava várias patentes de Baer. Infringia suas patentes com a projeção dos jogos eletrônicos em uma tela de televisão e, mais importante, infringia o seu conceito eletrônico de ping-pong […] Bushnell, com seu estilo casual, permitiu que os mundanos detalhes da invenção e arquivos legais escapassem dele […] Bushnell perguntou quanto poderia custar e o advogado achou que os gastos poderiam ser da ordem de US $ 1,5 milhões, mais dinheiro do Atari tinha para gastar. A Atari não podia dar ao luxo de lutar, mesmo se ganhasse […] Para que sua empresa sobrevivesse, Bushnell teve que encontrar uma outra alternativa. Ela veio na forma de um acordo. A Magnavox ofereceu a Bushnell uma proposta de solução bem em conta. Bushnell deu prosseguimento, pedindo condições especiais para o acordo” (p. 47).

“Com o acordo assinado, o caso nunca foi para a corte. Bushnell e Baer se reuniram em Chicago, nos degraus de um tribunal, no dia em que acordo foi selado. Baer lembra-se de ter sido apresentado a Bushnell e que apertaram as mãos. Eles trocaram amabilidades e, em seguida, seguiram por caminhos diferentes” (p. 48).

A história é conhecida por muitos e já foi contada inúmeras vezes, mas pela primeira vez alguns leitores terão a oportunidade de conhecê-la na versão de Steven Kent.

O livro de Kent, aliás, é interessantíssimo e uma excelente fonte de informação, para aqueles que se interessarem pela história dos games.

Outro autor que também rastreou os primórdios da inventividade de Bushnell e suas primeiras experimentações com a Atari, foi David Sheff, que escreveu a instigante obra sobre a Nintendo “Game Over: How Nintendo Conquered The World”, em 1993.

No capítulo 7, “Virada do Destino”, Sheff discorre sobre as criações do irrequieto Bushnell: “Em seu laboratório doméstico, criou um novo jogo. – Era bastante simples. As pessoas tomavam conhecimento das regras de imediato e podiam jogar com uma só das mãos, deixando a outra livre para a cerveja”. Uma “bola” – na verdade, um ponto de luz bem “cheio” – era rebatida para a frente e para trás por das raquetes de 2,5 centímetros, projetadas na tela. As raquetes, nos extremos da “quadra”, subiam e desciam à medida que os jogadores giravam os controles na parte frontal de um gabinete tosco. – Eu mesmo o fiz, com uma solda – detalha Bushnell, que batizou o jogo de Pong porque a bola, ao bater na raquete, produzia um ruído parecido com o do sonar (p. 156).

“Dan Van Elderen, um jovem engenheiro, lembra que na época não existia nem monitor de vídeo: – Montávamos os primeiros Pongs em aparelhos de televisão Motorola. Jogávamos fora a caixa plástica, a bobina de sintonia e os circuitos. Usávamos o tubo e a tela. […] Os bancos e companhias de investimento negavam empréstimos porque corriam boatos de que a Atari estava ligada à Máfia. Além disso, preocupavam-se com a possibilidade de as pessoas roubarem os vídeos dos consoles […] – O cheiro de maconha se espalhava através do ar condicionado – conta Steve Jobs, um dos primeiros funcionários da Atari. – Alguns dos meus colegas eram tão barbudos que nunca lhes vi o rosto” (p. 157).

“Steve Wozniak se juntou à Atari a fim de ajudar Jobs a elaborar outro game, chamado Breakout […] Bushnell gostou, mas os circuitos requeriam um número excessivo de chips caros. A solução foi oferecer a Jobs um bônus de 100 dólares por chip que conseguisse eliminar. ele ganhou 5 mil dólares” (p. 160).

“No final de 1976, vinte empresas diferentes, da RCA à Coleco, passando pela National Semiconductor, produziam videogames domésticos, cada uma tentando superar a outra em marketing e tecnologia […] Por isso, a estreia da Atari tinha que ser muito melhor. E foi. Apelidado pelos engenheiros de Stella, em homenagem a uma funcionária do departamento pessoal, o Atari 2600 era um sistema programável, poderoso e não muito caro, mas seu custo de fabricação e marketing estava além das possibilidades de Bushnell. A saída era abrir o capital, mas ele resolveu procurar um investidor (p. 163).

“Manny Gerard (executivo da Warner Communications), via o negócio do videogame como ele era: uma união da informática com a diversão e a eletrônica de consumo. – Ao ver o 2600 num laboratório da Atari, exclamei: ‘Puta merda, essa coisa vai dominar o mundo!’ […] A Warner pagou pela Atari 28 milhões de dólares, um bom retorno ao investimento de 250 dólares de Bushnell, que além de tudo continuou na direção da empresa […] Ele trabalhou dois anos para Gerard, mas sem vontade. De acordo com seu superior, dedicava mais tempo aos investimentos pessoais do que à administração da Atari” (p. 164).

“O ano de 1978 prometia muito à Atari […] no entanto, o Natal chegou, passou e poucos consumidores levaram videogames para casa […] Manny Gerar, que se reportava a Steve Ross (diretor da Warner), pressionava Bushnell, que nunca reagira bem a ideias alheias – muito menos a ideias alheias a respeito de sua empresa. – Você não goza dos direitos divinos dos reis – observou-lhe Gerard, ao que Bushnell deixou de atendê-lo. Gerard decidiu então nomear um novo diretor para a Atari e escolheu Ray Kassar, ex-vice-presidente da Burlington Industries. Kassar era tão formal quanto Bushnell dscontraído. O choque tornou-se inevitável” (p. 165).

Como podemos ver, não faltam boas histórias à empresa ícone do mercado de games, muitas delas protagonizadas pelo mentor Bushnell. Há, no entanto, outras inúmeras situações vivenciadas no interior da empresa, como nos conta Howard Scott Warshaw, em seu documentário “Once Upon Atari”, que conseguiu juntar vários dos ex-funcionários da Atari para relembrar o passado:

“Transformamos o termo ‘videogame’ em uma palavra comum no ambiente doméstico e o topo de todas as listas de Natal. Os games da Atari mudaram nossa cultura – comenta, na abertura do filme. – Me lembro quando comecei, eles disseram apenas: ‘Queremos que você faça um game em aproximadamente seis meses. Aqui está o equipamento, aqui estão os manuais, há pessoas por aí a quem você pode fazer perguntas, você não tem horário fixo e nó nem mesmo queremos vê-lo até que o game esteja quase pronto. Então, no começo, eu era completamente livre… e isso era genial!”, relembra Jim Huether, engenheiro de games da empresa. – TUM! TUM! TUM! Vez ou outra, um ruído bate-estaca tomava conta do escritório da Atari, no Vale do Silício, na Califórnia. Os visitantes estranhavam o barulho, mas os funcionários da empresa não ligavam: era apenas o programador Tod Frye, um dos pais de PacMan andando pelas parede (!!)”, escreveu o articulista Alexandre Matias em reportagem à Folha de São Paulo, sobre o documentário, em 2004.

“Depois de ter passado por aquilo, eu sabia que algum dia essa história tinha de ser contada”, lembra Warshaw, que entrou para o hall da fama por ter criado um dos games mais bem avaliados para a plataforma, “Raiders of the Lost Ark”, que Spielberg solicitou pessoalmente a ele que desenvolvesse o jogo.

Paralelamente, Warshaw também é lembrado pela criação daquele que ficou conhecido como o pior game de todos os tempos: ET. “Detenho a maior gama, em termos de design de jogos, de todos os tempos: o os títulos de ‘melhor’ e ‘pior’. Fico muito contente com isso”, diria o designer em entrevista à revista Jogos 80.

O texto acima foi escrito originalmente para o site Aperta Start, em 6 de julho de 2012.