Por conta dos preparativos com a produção na qual estou imerso desde o início desse ano, esta coluna esteve desrespeitosamente ausente do site nas últimas semanas, e retorna hoje, com a promessa deste redator de manter a assiduidade com o tema, tão necessário e urgente para a histórico dos jogos no país.
No próximo dia 25 de julho, Renato Degiovani e eu daremos início à campanha de financiamento coletivo do Indie Brasilis, projeto de resgate da história sobre o desenvolvimento de jogos produzidos no país por desenvolvedores brasileiros, que trazem a cultura nacional como vetor de suas realizações.
Como já anunciado, o projeto contará com um livro com a história do desenvolvimento de 60 jogos nacionais, um site com outras narrativas sobre os games não contemplados na obra a ser impressa, um canal de vídeos para entrevistas online com profissionais da área de desenvolvimento de games no país, e a Galeria IndieDevs, que visa tornar os criadores de jogos reconhecidos por seus feitos junto ao público fã de games.
Modéstia inclusa, trata-se de uma iniciativa inédita no país. Como expliquei em artigo de 15 de maio passado, no site oficial do projeto, “não há livros sobre a história dos games no Brasil”. “É isso mesmo o que você leu: não há literatura sobre a história da produção de games brasileiros, de seus processos, motivações, dificuldades, das ideias originais ou receptividade dos jogos no mercado”, escrevi.
Em setembro de 2024, antes de iniciarmos a empreitada, eu já havia resgatado uma declaração da professora doutora Lynn Alves, sustentando que “é difícil reconstruir a história de desenvolvimento de jogos no Brasil porque há muito pouco escrito sobre o assunto”. A afirmação está no capítulo, “Brazil”, presente na compilação de artigos Video Games Around the World, do escritor e editor norte-americano Mark J. P. Wolf, de 2009.
“Mapear a história dos jogos brasileiros é fundamental para tornar mais focada a indústria, pois são os exemplos e experiências passadas que nos ajudam a trilhar caminhos mais seguro”, explicou Renato Degiovani, no anúncio do projeto, em janeiro desse ano, neste Quebrando o Controle, identificando a importância de termos (ao menos) uma obra registrando o game design nacional.
Lá fora, tais projetos são mais fáceis de serem encontrados, considerando que o mercado editorial é diferente e mais robusto que o nosso, o interesse por temas do gênero parece mais amplo e há um número maior de jornalistas e pesquisadores voltados ao assunto.
Abaixo, elenquei cinco (de muitas) obras representativas desse gênero literário, que compilaram as informações acerca do histórico do desenvolvimento de games que se tornaram clássicos ou venderam milhares de cópias; livros produzidos a partir de extensas pesquisas de campo e entrevistas com pessoas do meio produtor de jogos digitais.
Sangue, Suor e Pixles
Em Blood, Sweat and Pixels, publicação de Jason Schreier lançada em 2017, os leitores acompanham os bastidores da produção de jogos digitais, em ambientes de produção cujas equipes podem ser compostas por 600 profissionais do mercado totalmente sobrecarregados ou, contrariamente, realidades nas quais um gênio solitário dá conta da extenuante produção de seu game autoral.
A obra apresenta alguns dos jogos mais populares e mais vendidos dos últimos tempos, exibindo a dura realidade de processos de desenvolvimento que, não raro, parecem beirar a insanidade e o Burnout dos envolvidos.
Jogos como Dragon Age: Inquisition, o RPG Stardew Valley e Destiny estão entre os games apresentados na narrativa minuciosa da obra do pesquisador e jornalista.
Jason Schreier é um experiente profissional de mercado, editor de notícias do site especializado a Kotaku, e já cobriu o mundo dos videogames para a Wired e para diversos veículos como The New York Times, Edge e The Onion News Network, entre outros.
Racing the Beam
Embora as pesquisas sobre o universo do game design e de seus realizadores pareça ser relativamente recente, o escopo das publicações tem sido muito abrangente, como demonstra o lançamento de Racing the Beam, um estudo sobre o mais relevante console dos primórdios da era dos videogames, o Atari VCS 2600.
O Atari Video Computer System dominou o mercado de videogames domésticos de forma tão absoluta durante a primeira onde dessa cultura tecnológica que o termo Atari passou a designar genericamente os consoles de videogame de sua geração.
Relativamente acessível para o público norte-americano daquele período, com quase mil cartuchos criados pelos designers da época, o dispositivo estabeleceu novas técnicas, mecânicas e até mesmo gêneros completos de games por meio das experimentações dos desenvolvedores da casa e, mais tarde, da empresas tercerizadoras, cujos proprietários eram, em grande parte ex-funcionários da empresa.
Este livro oferece um estudo detalhado da influência deste console no campo tecnológico e, não menos importante, cultural dos gamers dos anos 80.
Racing the Beam inaugura a série de Estudos de Plataforma, também editada por Bogost e Montfort, com uma abordagem crítica que examina a expressão criativa dos idealizadores do aparelho e dos game designers que surgiram, antes mesmo do termo ter sido cunhado pela indústria de jogos.
Nos bastidores da Nintendo
Em 1981, a Nintendo of America era uma empresa de origem nipônica em sediada no xenófobo território estadunidense há apenas um ano e, já à época, à beira do fracasso, com um galpão lotado com dois mil fliperamas não vendidos do arcade Radar Scope.
Como conta a história na obra do escritor Jeff Ryan, um artista juvenil, de nome Shigeru Miyamoto, viajou da empresa sede no Japão para os Estados Unidos, para tentar reverter o fiasco da subsidiária, projetando um novo jogo para os fliperamas, que ganhou o mundo como Donkey Kong. O game arrecadou US$ 180 milhões em seu primeiro ano e transportou o bigodudo encanador Mario para o imaginário infantil em todo o planeta.
O livro conta a história por trás dos jogos da Nintendo, explicando como uma empresa japonesa de Hanafuda, cartas feitas de bambu com designs florais, dominou a indústria global dos jogos digitais.
Masters of Doom
Masters of Doom compila os registros dos primórdios do FPS, resgatando como John Carmack e John Romero, também conhecidos como Lennon e McCartney dos games, se tornaram referências globais de game design bem-sucedido.
Dave Kushner, o autor da obra, narra a saga dos virtuosos designers Carmack e Romero com grande vivacidade narrativa.
Kushner é um jornalista e autor premiado, com livros que incluem “Masters of Doom: Como Dois Caras Criaram um Império e Transformaram a Cultura Pop”, “Jonny Magic and the Card Shark Kids: Como uma Gangue de Geeks Venceu as Probabilidades”, “Invadindo Las Vegas”, “Levittown: Duas Famílias, Um Magnata e a Luta pelos Direitos Civis no Subúrbio Lendário dos Estados Unidos”, “Jacked: A História Fora da Lei de Grand Theft Auto” e “Alligator Candy: Um Livro de Memórias”.
A trama que se desenvolve nesta obra é instigante e cheia de momentos de tensão narrativa, contando em detalhes os processos criativos e as muitas diferenças de opinião entre os integrantes da insurgente id Software.
All Your Base Are Belong to Us: How Fifty Years of Videogames Conquered Pop Culture
O jornalista Harold Goldberg conseguiu capturar a criatividade e a paixão desta indústria revolucionária da cultura pop. O autor estuda essa evolução em detalhes, mostrando o progresso criativo e tecnológico que vai de Space Invaders a Grand Theft Auto, passando por World of Warcraft, Bioshock, Kings Quest e Bejeweled, entre outros jogos.
Com uma redação ligeira e objetiva, o texto de Goldberg traz informações preciosas para quem se interessa pelo histórico da produção de games, e nos mostra como, por trás da ludicidade envolvente de tais projetos, muitas vezes há um panorama desolador de etapas infindáveis de criação e programação, com direitos a bugs, retrabalho e muitas noites de desesperança.
Harold Goldberg já produziu textos e artigos para revistas, jornais e sites como The New York Times, Vanity Fair, The Washington Post, USA Today, Playboy, Rolling Stones e Polygon, entre muitos outros veículos.
Esta é uma brevíssima compilação de livros sobre game designer s suas produções que apenas tangencia o universo literário de tais produções, mas que nos permite vislumbrar a dimensão deste gênero de literatura no mundo – e, aqui, estamos citando apenas as obras elaboradas no idioma inglês, vale ressaltar.
Outras ótimas publicações são Jacked: The Outlaw Story of Grand Theft Auto, Extra Lives: Why Video Games Matter e Replay: The History of Video Games, embora sejam menos focadas no processo de criação dos games por seus desenvolvedores, com uma visão mais ampla em relação à indústria dos jogos digitais no espectro da sociedade estadunidense. The Untold History of Japanese Game Developers: Gold Edition, por sua vez, faz um apanhado das informações referentes ao game design em terras nipônicas, e também não é a única obra sobre o assunto.
Para finalizar, que tal apoiar a iniciativa nacional? Acesse a página do projeto no Catarse e clique em “Avise-me do lançamento”. Queremos muito poder publicar esta obra com a sua ajuda.
Imagem: fotomontagem

Idealizador do projeto Indie Brasilis, ex-editor e atual colaborador do Quebrando o Controle, o jornalista se diz um Geek assumido e fanático por RPG e Dungeons & Dragons. O profissional atua desde 2007 no jornalismo de games, com passagens pelos veículos Portal GeeK, Game Cultura, GameStorming, Rádio Geek e Drops de Jogos, entre outros.